Da solidão
Manhã. As quatro paredes de sempre. Estava deitada na cama a imaginar uma fotografia do amanhecer: a janela fechada, a ventoinha ligada, a vizinha a gritar. Corri a mão pela cabeceira em busca do comando do som: ligo - mão no livro - olhos nas palavras - asfixia. Nesta altura já não sei onde me perdi, quem me levou o ar, ou se terei sido eu ao levar as mãos à cabeça que, em desespero, me terei asfixiado a mim própria.
Eu não dei conta do silêncio e desliguei a música, que me invadiu a privacidade.
Sinto cheios os meus dias: em todos eles penso, em todos eles converso, em todos eles me escondo em imagens. Fecho os olhos e oiço piano ao adormecer, notas musicais perdidas que geram uma melodia na minha mente. E ela existe? Se não, é mais uma vez o contrário de tudo o que faz parte da minha vida.
Eu sei que há quem chore por ser sozinho - eu sei - eu sei que há quem não goste de estar só e se refugie em multidões, ou na praia com o mar, pensando conviver com o vazio. Eu não suportaria viver virada para o mar, olhá-lo todos os dias, tê-lo dentro da minha casa - da minha vida - ou ainda no meio da floresta, numa casa de janelas e vidro, onde só visse as árvores e a madeira dos troncos. Eu não gostaria de ser invadida por imagens que sugerem a solidão, imagens onde nunca existe alguém além de nós próprios, pois não me sinto só se obrigada a recordações.
Eu não tenho medo do escuro ou ainda que me deixem - porque não me deixam - eu sonho com a leveza de ninguém pensar em mim, para assim não pensar em ninguém; eu sonho com a minha mão a atravessar o espelho e a puxar-me para ele; eu sonho com o piano encantado que toca para mim, à noite, quando fecho os olhos; eu sonho com a solidão.
Eu sei que esta vontade só nasce por projectar a minha imagem para a vida, sei que já me julguei só e que agora me conheço o bastante.
Eu sei que somos pequenos no meio de tudo, de nada, mas também sei que podemos ser grandes para nós próprios.