Só a saudade nestas mãos de menina
Talvez seja o inverno, não sei bem. Quando o frio aperta lembro-me sempre dos meus longos cabelos e das minhas mãos de menina fora dos cobertores - da minha posição retorcida, quase fetal, dentro de um qualquer pijama – e lembro-me também da chuva, na minha janela, a bater nos estores. Era música, não sei, era tal como hoje. Como os passos da minha mãe, as mãos da minha mãe a estenderem o roupão por cima de mim, e eu sempre de olhos fechados, sempre a disfarçar o sono para não perder aquele carinho.
Este género de saudosismo amplia-se, e eu não percebo porquê. A minha mãe a aquecer-me os collants no calorífero e a ajudar-me a vesti-los, suspendendo-me no ar. Os braços seguros do meu pai, ele a levar-me uma caneca de leite quente à cama quando a tosse me roubava o ar. Os passeios, a chuva fora do carro. Os cobertores, o frio, o conforto.
Talvez seja este frio que, agora, me facilite estas memórias. É que agora tenho os cabelos curtos e não há mais roupões a meio da noite, nem collants a aquecer no calorífero. Há mais coisas, eu sei, mas talvez seja o inverno. Talvez seja esta trovoada a estrondear nos meus ouvidos e esta falta de coragem de correr para o colo de alguém. Porque eu sou hoje o que sempre fui, além do novo que ganhei em mim, e apesar de maiores estas mãos continuam as mesmas mãos de menina, sempre as mesmas mãos de menina a espreitar por fora dos cobertores.