Innuendo
Eu sei, sempre o início depois do fim. Sempre o amanhecer depois da noite, o olá depois do adeus. Nem precisas de me dizer que o tempo segue sempre o tempo.
Embora haja coisas que se perpetuam pela memória, pelo sangue no sangue, outras há que se deixam rasgar pelo tempo, ou o inevitável. O mal, o mal todo, está nas expectativas que depositamos nas coisas, porque se nos tivessem ensinado a sonhar com o inevitável, com o efémero, nunca nos deixaríamos abater pela desilusão. E tudo isto não joga nunca a favor de um pessimismo, mas sim da vontade plena de optimizar o sonho, atribuindo-lhe um início e um fim, mesmo que esse fim seja a eternidade. Assim haverá sempre mais, mais e mais sonhos, como se por cada fruto que caísse de uma árvore nascessem dois, ou como a teoria da divisão das almas.
Vem – vem aí o ano novo. E mesmo que eu não queira acabo sempre por lhe atribuir uma responsabilidade decorada, fruto de desilusões passadas. E será sempre assim – um ano após o outro. Um ano novo a sobrepor um velho, um sonho a substituir outro ou a acrescentar o mesmo.
É agora, é agora, e deste ano não passa – dizemos, mas estas são só palavras cheias de coragem a tentar bater a ingenuidade.
Parece não ter nada a haver, mas a passagem de ano faz-me sempre recordar as palavras do meu pai, sempre que se partia um copo: Se os copos não se partissem, as fábricas fechavam. Pois é pai... e se os sonhos não se quebrassem, deixávamos de sonhar...