Fragmentos
- Não estás a perceber, só te estou a telefonar porque não consigo escrever.
- Não consegues escrever?
- Não.
- São 3 da manhã…
- E então?
- E então? Então dorme, olha!
- Não consigo.
- (suspiro)
- Sonho há 4 noites seguidas contigo. É terrível, sei que vou fechar os olhos, adormecer, e quando acordar vou perceber que passei a noite inteira a sonhar contigo. Então não consigo dormir, e normalmente quando assim é, é porque preciso de escrever. Depois escrevo até olhar para as mãos e não ver mais nada nelas - até não encontrar mais nenhum traço por fantasiar.
- E porque é que hoje não resulta?
- Não sei, acho que tenho medo.
- Medo do quê?
- Medo da obsessão.
- (silêncio)
- Eu sempre tive medo de todo o tipo de psicoses. Acho que esse medo, só por si, é já uma psicose. Ou seja, eu tenho medo do medo. Dá para perceber?
- (suspiro)
- Já percebi: estás a apanhar seca… que merda!
- Não, não é isso. É que esse género de compromissos intelectuais transcendem-me. Ultrapassam-me. Eu gostava de poder dizer que também tenho sonhado contigo, mas na realidade não tenho. Não sonho contigo, nem sequer penso em ti. Que queres que faça? Desculpa mas não há forma mais delicada de o dizer. E, sinceramente, acho que assim será mais fácil para ti, será mais fácil perceberes de uma vez por todas que não temos nada a ver um com o outro. O amor é uma treta.
- Pode ser que seja.
- É.
- Gostas de Perry Blake? Estou a ouvir o blackbird.
- (silêncio)
- Pronto, boa noite…
- Boa noite.