quinta-feira, fevereiro 2

as palavras (ou como escrever um poema sem escrever a própria vida)



“Mulher. As promessas. O rosto. Nunca te menti. Se te disse o céu, era o céu; se te disse sol ou água, era sol ou água; se te disse manhã, era a manhã dos teus olhos a enganar-me. Sem que os teus olhos me enganassem. O engano de uma manhã que nasceu nos teus olhos. Sonhámos. Sonhámos e fomos cegos. E não tenho medo da palavra amor. Não tenho medo das palavras. Vê como digo morte: morte morte morte morte morte. Repito-a assim e roubo-lhe o sentido. Roubo morte à morte. Roubo trevas e solidão. Morte morte morte morte morte. Não tenho medo das palavras. Torno a ver os teus olhos diante dos meus, manhã, e quero que esta seja a nossa última palavra: amor.”
José Luís Peixoto in Nenhum Olhar


vivi sempre num mundo distante onde as palavras não faziam sentido. tantas vezes me chamavam e reclamavam pronto já não estás cá e em sonhos cosia imagens e cerzia palavras que em manta geravam um artifício. e tantas vezes me acusaram de saber a minha vida, os meus sentimentos, de mim, sei o que sentes, sei o que dizes, sei o que pensas, quando tantas vezes fingi. desculpa-me se nem sempre fui sincera e só para ti fui sincera - só para ti fui sincera - digo-o assim pois também eu não tenho medo das palavras. menti. menti. menti mas nunca te menti e sei, desde a primeira vez que adormeci com as palavras, como o seu séquito as alegoriza. e continuo a cerzi-las e a ferir os dedos quando elas não fazem sentido, e elas nunca fazem sentido. só quando as escondo no livro onde só para ti vivem, só se forem tuas. só se as palavras forem nossas.