Loucura
A cadeira balança por detrás das grades, o seu ranger prolonga-se até à porta que acabas de abrir.
Olhas e mostras a vontade de me levar contigo, e as tuas mãos tremem, suadas, como que acabadas de cometer um assassínio.
Esperas talvez que te pergunte o que te traz até mim, mas não sou eu, meu amor, quem te irá perguntar isso.
Suspiro e acabas por entender.
De joelhos rendidos ao chão aninhas-te no meu colo, limpas as mãos húmidas nas calças e agarras-te a mim, chorando.
Os teus soluços confundem-se com as lágrimas que me tocam cada vez mais.
O silêncio interrompe cada palavra que tentas dizer, ergues-te furioso, limpas a cara e desatinas por ali a fora, abrindo a porta e batendo-a ao sair.
E eu grito.
GRITO!
Farta de mim quero sair do meu corpo, ir para outro lugar, viver outra vida, para que pudesse uma vez mais que fosse procurar-te, e assim regressar a ti.
Grito.
Grito e adormeço.
Amanhã regressarás ao hospício.
Loucura II
Quando o comboio parte ficas atrás,
impávido,
os olhos brilham como água,
e respiro, só eu,
por mim,
sentindo o chão a correr.
A voz que me sussurra não é minha,
mas ouço-a, e peço à loucura que me deixe,
que suma,
que me permita viver finalmente só.
Só eu.
Estou bem.
Repito: estou bem.
Porque insistem em chamar-me louca,
porque estranham quando sorrio por nada,
ou quando choro por mais nada que fazer...?
Não sou louca.
Repito: não sou louca.
Vivo apenas os momentos que tenho,
rio apenas com o que me faz feliz,
e choro...apenas por saudades de chorar.
Vergonha...?
Sim, quando choro. E choro mais por vergonha de chorar.
O rapaz ao meu lado sorri,
provavelmente não entende o que escrevo,
ou ainda porque escrevo.
Olho para ele,
sorrio com ele,
desvio o olhar à janela e digo,
entre os dentes, que sim.
"Sim, sou louca...mas nunca irás entender."
O comboio já parou faz tempo,
sigo agora o mesmo percurso para casa,
inconsciente,
vivendo o mesmo momento da volta,
no mesmo lugar.
Já não sou eu...
Mas tu continuas à minha espera.
(baú - algures em 1999)