Sonho
Todos os dias ela apanhava o mesmo comboio, e sentava-se no mesmo lugar.
Ele aparecia na estação seguinte e sentava-se à sua frente.
Trocavam olhares.
Ela piscava os olhos, de tanta timidez, e a ele explodia-lhe a alma.
Sorriam.
Ela apertava as mãos, uma na outra, com medo que tremessem, e ele cruzava as pernas.
Durante meses o mesmo cenário.
Um dia ele não apareceu, e a cadeira ficou vazia.
Depois, no seu lugar sentou-se outra mulher, como ela.
Não houve troca de olhares nem almas a explodir. Apenas a dela, dilacerada. Mortificada.
Não tinha porquê piscar os olhos ou apertar as mãos.
Subitamente, a outra mulher cruzou as pernas.
Ela deixou cair a cabeça, fixando os olhos e as lágrimas nos pés.
Dias passaram, a mesma mulher.
O mesmo cruzar de pernas.
E ela perdeu o sentido da vida.
Não tendo mais por onde sonhar, um dia atirou-se à linha, e a sua morte fez parar os comboios.
Na estação seguinte, de regresso de férias, o homem esperava por voltar a sonhar.
Mas o sonho acabou.