quarta-feira, setembro 17

Mercredi, chá e scones


- Apetecia-me cavar um buraco no teu quintal, esgravatar a terra e meter-me lá dentro. Depois cobrir-me até ficar só com os olhos de fora, a boca e o nariz para respirar.
- Apetecia-me recuperar a tua rebeldia, chorar a tua dor, acalmar a tua revolta. Oferecer-te os teus abraços, tocar-te nos cabelos... e todos os dias quando os primeiros raios de sol aparecessem ir ter contigo, suavemente abrir-te os olhos, e perdermo-nos no silêncio do tempo a passar. E quando a lua aparecesse, devolvia-te à tua dor e contar-te-ia uma história cheia de cores.
- E as cores devolver-me-iam a paz? O calor da terra criaria a ilusão dos abraços?
Sabes... já o fiz. Já o fiz na areia escorregadia das praias, no linho dos meus lençóis, na opacidade dos meus cortinados. Mas o casulo desfez-se sempre e, em todas essas vezes, tive que voltar a nascer. E em todas essas vezes cresceram-me asas com todas as cores.
É isso, e isso sou eu.
- O casulo desfaz-se sempre e não nos deixa o eu anterior. E a terra, nos seus fortes abraços, vai-nos sempre retirando um pouco da nossa pureza, da inocência que faz os nossos olhos brilharem.
Isso somos nós – o mundo – e aquilo que um dia fomos... As nossas asas, preenchidas de cores, libertam-nos, fazem-nos voar uma nova vida. E o ciclo termina, fechamos mais uma caixinha de sonhos.
Quando voltaremos a abrir a próxima? E depois, o que acontece?
- Depois, a confusão dos dias devolve-nos os sonhos. Depois, caem-nos as asas e sentimos as artérias a explodirem-nos no corpo, o sangue a correr pelos dedos. Depois, voltamos aos livros e às aguarelas, aos cigarros. Depois, enfeitiçamo-nos por olhares, por sorrisos, quando tudo o que nos faz falta é paz. Depois, voltas tu, abres-me suave e novamente os olhos, e perdemo-nos novamente no silêncio.
Ainda há sonhos, ou o sonho acabou?
- O sonho acabou, mas ainda há sonhos. Ainda existem uma série de caixinhas vazias que esperam ansiosas por todos os sonhos que irás ter.
Queria poder dizer-te que os sonhos tornarão e serão bons, que poderás andar com eles a correr o mundo, porque esses serão luminosos, porque esses serão belos.
Gostava de ser médica de sonhos e de poder curar os intermináveis sonhos tristes...
- Gostava de contornar todas as curvas deste abismo, de saltar as pedras do teu quintal. Gostava de deixar o sangue subir-me à garganta e gritar para fora toda a confusão.
Às vezes falha-me a força para devolver o brilho aos meus olhos, e então entrego-me aos teus, aos de todos que amo, para conseguir sorrir.
- Agora voltamos a tocar o chão que espera por nós. Voltamos a procurar o brilho nos olhos de alguém. Voltamos de seguida a querer voar, a abraçar com toda a nossa força o próximo sonho.
Porque vamos fazê-lo..!


Tânia, Teresa, e um reflexo no bule.