quarta-feira, julho 30

O cadáver esquisito


Era uma vez um castelo, onde os meus erros estavam catalogados numa exposição sobre a estupidez humana. Mediam-se os sentimentos, como quem pesa a virtude, palmo a palmo, pegada atrás de pegada, a nudez de um crânio.
Às vezes os quadros caíam e eu, imóvel, assistia à devastação do engano.
Normalmente as noites eram assim: Eu snifava uma linha de coca e perguntava: "És socialista?". Não - sou tudo menos isso, sou a espera enquanto adormeces, sou o devaneio enquanto enlouqueces - respondia eu a mim próprio.
Estou demasiado embriegado para racionalizar sobre para que lado me inclino, o teor alcoólico do absinto não está escrito nas garrafas mas sim no meu sangue, e sinto as palpitações a perderem-se nos veios da carne.
Outra vez tu. Outra vez. Outra vez. Outra vez. Pensei que não íamos dar mais voltas nesta montanha russa.
O meu cérebro dilatava de raiva. Estavas tão entupida de pensamentos fúteis... Porque é que és a embalagem do meu conteúdo? Farto e enojado, caminhava até à praia e banhava-me nas águas geladas. Vem - Deus das tormentas - e leva o que me resta da memória.
Assim calava as exposições, brindava à ignorância que paira nas luzes, à lucidez da merda das almas, e adormecia junto à perdição.


Joana, João, Susana, Tânia

quinta-feira, julho 24

Adeus - que é como quem diz - Até breve!

E finalmente, o merecido descanso. Irei para mais perto do sol e, por isso, nos próximos 17 dias o blog fica em stand by.
Um beijinho a todos aqueles que me visitam...

Até breve!

sábado, julho 19

Jogos de palavras


Ao acaso, várias personagens além de eu própria. Contem-se quatro.

Vibro no silêncio da promiscuidade. Vem o vento que nem um soco e transforma-me em carnaval. - Existe um canto alegre dentro do meu sapato, bebo um copo e rodo o meu pé com destreza para esquecer a minha tristeza. - Na promiscuidade do silêncio ouve-se o soco adúltero do carnaval. - Reparo no reflexo do espelho. O fumo do cigarro contorna as páginas do livro. O telefone toca... és tu?! - Num belo dia de merda tirei esta fotografia, uma saia vermelha num rabo escondido. - A fobia do mundo é um jogo de azar. - Se um sapato tomba na pele do alegre, não é destreza... é o copo que transborda. - Eu sou o silêncio sem promiscuidade. – Espremi um limão e bebi o sumo da saudade. Sorridente, brindei à ilusão do homem. - Bebi um copo e fiquei alegre, mas sem a destreza de tirar o sapato. - Gosto de um jogo sem a fobia do azar. Senão fico mudo.


Se te disser que te conheço, minto. Fazem-me falta os teus olhos.

segunda-feira, julho 14

I know that I've imagined love before


Unfinished


Like a soul without a mind; In a body without a heart; I'm missing every part
( Shara Nelson, Massive Attack - Unfinished Simpathy )

quinta-feira, julho 10

Solfejo


Ensinavas-me a tocar piano. Eu era apressada, como ainda sou hoje, e queria saltar a parte das pautas e dos solfejos, pois não tinha paciência.
Às vezes a confusão dos mundos entedia-me e faz-me desistir do que eu considero um nodo.
Eu estava sentada ao piano, a tentar saltar o dó-ré-mi, e tu insistias em coordenar a minha rebeldia. Tinhas um cheiro característico, tal como todas as memórias da minha infância, e eu já não suportava mais estar ali com os dedos ora esticados, ora dobrados numa caneta sobre uma pauta qualquer. E merda, a minha mãe nunca mais chegava.
Eu queria tocar piano, tocar! Pousar os dedos nas teclas e inventar músicas, melodias, canções. Para mim tudo era simples e mágico, só queria que me explicasses onde estavam as notas, onde havia eu de pôr os dedos para conseguir tocar aquelas merdas com as duas mãos, e se deveria ou não jogar com os pedais como o meu pai fazia quando conduzia. Mas tu não explicavas nada e repetias sempre a mesma história do dó-ré-mi.
A minha mãe ligou a avisar que ia chegar atrasada, e eu fiquei ali a recusar-te sumos e bolos, a novela que estava a dar na televisão, a ouvir o esfregar das tuas calças enquanto caminhavas pela casa, sempre de um lado para o outro, e tudo aquilo era uma agonia. Depois puseste o teu filho a jogar xadrez comigo, e ele coitado – pois se não tinha culpa nenhuma – ficou ali a puxar conversa durante uma hora, uma hora até a minha mãe me ir buscar.
Fomos embora e eu disse à minha mãe que não voltava mais àquelas aulas.

Não percebeste, pois não, mãe? Eu sei que te disse que afinal não gostava, que afinal não tinha piada nenhuma tocar piano, que preferia ficar em casa a brincar com a plasticina. Mas eu gostava, mãe, eu gostava... eu gostava de tudo aquilo, das notas, do dançar dos dedos, da música, principalmente e fundamentalmente da música, o que eu não suportava era o tédio, era estar ali a tentar aprender, estar ali a tentar perceber como pensavam os músicos, e uma gaja qualquer que eu não conhecia de parte nenhuma a dizer-me que não, que não era assim, a pedir-me para conjugar o verbo do dó-ré-mi, e a dizer-me para dar pancadinhas na mesa ao som de não sei quê, que era para eu aprender, dizia ela. E ainda por cima tu atrasaste-te quando já pouco me prendia ali.

Agora fico aqui a olhar para o piano e a sonhar como poderia ser se eu não tivesse esta mania irritante de que tudo pode ser mais simples.

Some day


Scotland

terça-feira, julho 8

Tempo


Às vezes lembro-me dos teus olhos, e o mundo treme. Às vezes lembro-me do teu sorriso, das tuas mãos, e o nexo torna-se desconexo. Às vezes não acredito em nada e sinto raiva de tudo, do mundo, de ti. Estremeço. Sinto uma saudade tão grande do que tinha por ser feliz, dos teus braços, da paz que criei em mim.

Quando o chão treme, lembro-me que pode nada ser eterno e tento o equilíbrio. Esqueço-me do desconexo e não dou importância ao sentido. Esqueço-me do mundo, de ti, de quem nós éramos, rasgo a saudade e solto o desespero. E só depois me recordo que foi assim que eu quis... foi este o caminho que escolhi, mesmo estando eu há tempos no teu lugar, mesmo sabendo que fui feliz nos teus braços. Porque o tempo não volta nem apaga tudo o que já foi dito ou feito.
O tempo não volta.

O tempo não volta e não sei dos meus pés para andar.

segunda-feira, julho 7

I Miss You

i miss you
but i haven't met you yet
so special
but it hasn't happened yet
you are gorgeous
but i haven't met you yet
i remember
but it hasn't happened yet

and if you believe in dreams
or what is more important
that a dream can come true
i will meet you

i was peaking
but it hasn't happened yet
i haven't been given
my best souvenir
i miss you
but i haven't met you yet
i know your habits
but wouldn't recognize you yet

and if you believe in dreams
or what is more important
that a dream can come true
i will meet you

i'm so impatient
i can't stand the wait
when will i get my cuddle?
who are you?

i know by now that you'll arrive
by the time i stop waiting

i miss you




Björk (Telegram)

domingo, julho 6

Immature


Immature

19h42



Torpes de pronúncia, que me desatinam... as máscaras caem! Os rostos, já não há, não há nada. Mas um mundo gigante que ainda gira e no qual, ainda tomamos todos aquele café que sara recordações...
Na chávena redonda esqueço aquilo que há bem pouco tempo ainda... ainda me lembrava..!
Já não há!
Procuro aquele refúgio entediante que ainda nos protege, não nos condena! Mas que incrivelmente e, à sua maneira, acaba por nos purgar a todos...
Já não há! Será que houve?!



Edu



ps. “Nas palavras reside o melhor, mas o melhor, nem sempre elas o revelarão!” Goethe

terça-feira, julho 1

Esta chuva

Silêncio.
De olhos presos no infinito, atravessas a janela sem nada ouvir.
Estou aqui, não ouves?
Eu sei que ontem te magoei. Sei que disse coisas que não deveria. Mas tenho tido sonhos em que me abandonas ou te apaixonas sempre por alguém. Às vezes acordo já na linha que há entre a loucura e a sobriedade.
Não quero que penses que dependo de ti para o que quer que seja. É ridículo este desespero de te perder, e é ridícula também a vontade que tenho de te abandonar.
É preciso – penso eu às vezes.
Eu sei que nunca conseguirei ser quem sou se depender de alguém. O que sinto transforma-me, afecta-me, as minhas acções não se assemelham mais com a imagem que tinha de mim, e levam-me a pôr em dúvida o que afinal sou.
Lembras-te de como eram os meus quadros quando me conheceste? Eram jardins encantados, dizias tu. Cheios de personagens parecidas com as das fábulas que eu lia quando era criança. Fortes como a árvore do meu quintal, e seguros como o baloiço que nela pousava. Recordações e delírios de uma tempestade.
E agora? Olha lá para eles, vá! Diz-me o que vês. Nada, não é? Apenas o vazio. O cinzento. Nada de fábulas, jardins, nem o meu baloiço aparece mais..!
Por favor… não percebes que me consumiste toda? Não percebes que bebeste a minha tranquilidade de uma vez só? Eu não tenho mais por onde sonhar…
Já levo comigo tudo aquilo que queria levar.
Eu sei que me estás a ouvir… Sei que não falas porque não admites que alguém consiga deixar quem ama. Já me acusaste de não te amar, podes acusar outra vez!
Vá! Acusa! Diz-me tudo o que tens entalado na garganta!
Fraco! Sempre foste um fraco! Nem agora que ganhaste a minha força a sabes usar!
… Desculpa… Não te queria magoar… vês como é fácil atacar-te com o mínimo que seja? Mas tu não respondes, tu não dizes nada! Ficas aí, a ohar por essa estúpida janela! Porque é que não dizes alguma coisa?
- Se queres ir embora, vai. Mas deixa-me recordar-te como eras antes.
O mais difícil, o que me custa mais, é perceber que nem tu estás contente comigo. Tu tentaste, eu sei, sobrepor o amor que sentes por mim a todo o resto, mas eu, já vazia, não tenho mais nada de novo para te dar, e assim, para que ames.
E agora pedes-me que te deixe recordar quem eu era.
Também tenho saudades minhas, sabes?






Quando criança, era costume Alice isolar-se no seu quarto. Não que se desse mal com os pais e irmãos… era mesmo ela que apreciava a solidão. O silêncio.
Era capaz de passar horas a baloiçar no quintal, sozinha, perdida na sua imaginação. Podiam chamá-la, falar com ela, nada adiantava. Ela permanecia ali, inabalável, baloiçando para trás e para a frente, em leves movimentos, como quem está à espera do óbvio.
Mas a verdade é que nunca ninguém percebeu o que Alice tanto esperava.
Um dia, tinha ainda 7 anos, Alice observou atentamente o pai a pintar o seu quarto. No fim, comparou as paredes com as folhas do seu caderno, e quando o pai lhe perguntou se as queria pintar, Alice respondeu que não, que algumas coisas, como o silêncio, não deveriam ser ocupadas. E ficou imóvel durante horas a olhar para elas. Depois, e de repente, pegou no seu caderno e desatou a desenhar. Desenhou e pintou folhas e mais folhas, até terminar o caderno. Só por isso parou.
Não podia explicar.
Talvez o silêncio, o inabalável silêncio, aquele que sempre a acompanhara e lhe dara largas à imaginação, fosse o responsável. Ou talvez fosse a impossibilidade voluntária de não pintar as paredes, o proibido, que lhe tivesse enchido a mente de imagens e ilustrações.
Como se tentasse exprimir todas as palavras que tinha caladas.
A partir desse dia, todas as tardes, assim que chegava da escola, Alice corria para o seu quarto e pintava até a hora de jantar. Pouco ligava às correrias e risos que se ouviam do outro lado da janela, ou aos pedidos da mãe para que fosse lanchar.
Só havia uma coisa que a fazia largar os lápis e os pincéis, mesmo que temporariamente: o baloiço.
Aos 12 anos, crentes das suas potencialidades, os pais ofereceram-lhe a maior tela que encrontraram à venda.
Por mais estranho que pareça, Alice não achou muita piada à ideia. Achou que lhe queriam cobrir as paredes - que lhe queriam roubar o silêncio. E não ousou um sequer golpe de pincel em tão imponente tela.
Um ano depois, num domingo à tarde, caiu em tempestade a maior chuva que Alice alguma vez viu.
Curiosa, foi até à janela e ficou a olhar para os relâmpagos que, acompanhados pelo retumbar da trovoada, se faziam abater sobre o quintal. De repente, e sem que nada pudesse ser feito, a árvore que lhe apoiava o baloiço foi apanhada por um raio de luz. Quebrando-se em chamas, tombou para o lado, testemunhando a destruição do ser.
Azar, injustiça, exiguidade.
Aquilo era tudo que existia.
Todas as lágrimas que Alice verteu, dias e dias trancada na escuridão do seu quarto, não fizeram a árvore renascer, ou o baloiço erguer-se no meio do quintal – e não demorou para que Alice o percebesse. Enxugou as lágrimas e começou a pintar a grande tela que outrora tinha recusado e escondido.
Mais tarde, cobrindo a janela do quintal, a grande tela mostrava a segura árvore e o seu baloiço, rodeados de flores e relva verde, num lindo dia ensolarado.
Em frente, Alice admirava a sua obra, cobrindo também o seu coração da memória de uma tempestade.