sábado, maio 31

O RESPEITO AO PRÓXIMO EM 1º LUGAR




campanha DIGITAL contra o preconceito



Para colaborar basta ter um site (ou blog), registar-se, e colocar um ou mais banners da campanha no seu site.

"Não precisa de ser gay ou lésbica ou bissexual ou transgénero para participar nesta campanha, basta ter um site e a consciência de que, a cada ano, centenas de homossexuais e transgéneros são discriminados, agredidos e até mesmo assassinados devido ao PRECONCEITO existente."

quarta-feira, maio 28

Loucura

A cadeira balança por detrás das grades, o seu ranger prolonga-se até à porta que acabas de abrir.
Olhas e mostras a vontade de me levar contigo, e as tuas mãos tremem, suadas, como que acabadas de cometer um assassínio.
Esperas talvez que te pergunte o que te traz até mim, mas não sou eu, meu amor, quem te irá perguntar isso.
Suspiro e acabas por entender.

De joelhos rendidos ao chão aninhas-te no meu colo, limpas as mãos húmidas nas calças e agarras-te a mim, chorando.
Os teus soluços confundem-se com as lágrimas que me tocam cada vez mais.
O silêncio interrompe cada palavra que tentas dizer, ergues-te furioso, limpas a cara e desatinas por ali a fora, abrindo a porta e batendo-a ao sair.
E eu grito.

GRITO!

Farta de mim quero sair do meu corpo, ir para outro lugar, viver outra vida, para que pudesse uma vez mais que fosse procurar-te, e assim regressar a ti.
Grito.

Grito e adormeço.
Amanhã regressarás ao hospício.




Grito e adormeço


Loucura II

Quando o comboio parte ficas atrás,
impávido,
os olhos brilham como água,
e respiro, só eu,
por mim,
sentindo o chão a correr.

A voz que me sussurra não é minha,
mas ouço-a, e peço à loucura que me deixe,
que suma,
que me permita viver finalmente só.
Só eu.

Estou bem.
Repito: estou bem.
Porque insistem em chamar-me louca,
porque estranham quando sorrio por nada,
ou quando choro por mais nada que fazer...?
Não sou louca.
Repito: não sou louca.
Vivo apenas os momentos que tenho,
rio apenas com o que me faz feliz,
e choro...apenas por saudades de chorar.
Vergonha...?
Sim, quando choro. E choro mais por vergonha de chorar.

O rapaz ao meu lado sorri,
provavelmente não entende o que escrevo,
ou ainda porque escrevo.
Olho para ele,
sorrio com ele,
desvio o olhar à janela e digo,
entre os dentes, que sim.

"Sim, sou louca...mas nunca irás entender."

O comboio já parou faz tempo,
sigo agora o mesmo percurso para casa,
inconsciente,
vivendo o mesmo momento da volta,
no mesmo lugar.

Já não sou eu...
Mas tu continuas à minha espera.


(baú - algures em 1999)

domingo, maio 25

My life is a crayon box

 



Crayon
O jogo da verdade

Esta manhã, como de costume, peguei na bicicleta e fui a correr ter contigo. Toquei à campaínha e esperei, sentado nos degraus da escada da entrada, uns trinta minutos. Apareces então de torrada na boca, a pedir desculpa pelo atraso e a enrolar a meia direita para fora das calças. Pergunto-te "com o calor que está, e se não queres estragar mais umas calças, porque raio não vens tu de calções?" e tu não respondes nada, agarras na bicicleta e pões-te a andar.
Porque é que nunca esperas por mim?
No caminho até ao rio, completamente empoeirado, falas-me de um jogo que fizeste na noite anterior com uns amigos - o jogo da verdade - o qual consiste, segundo as tuas regras, em responder sempre a verdade às perguntas que são feitas. Confesso que eu, como sempre espectante, ainda fiz um esforço para responder a algumas das questões que me puseste, mas tens que concordar que perguntas como as seguintes não me dão propriamente gozo a responder :

- Já alguma vez viraste umas meias usadas ao contrário e as calçaste novamente?
Boa técnica, mas nunca me lembrei disso!
- Já alguma vez passaste o dia todo com um macaco colado à cara sem dar por nada?
Já.
- Já algumas vez soltaste um gaz e culpaste o parceiro do lado?
Que me lembre...
- Já alguma vez te divertiste a incendiar os teus próprios gazes?
AH!AH!AH!... AH!ah!... ah... (silêncio)... desculpa, não sabia que se podia fazer isso...

Então calo-me e fico a ouvir-te contar as perguntas e as respostas que os teus amigos fizeram e deram uns aos outros, na noite anterior, e chego à conclusão de que todos nós temos a nossa vida cheia de pequenas histórias divinas, totalmente hilariantes, futéis, e até obscenas. Saber que já tiveste um sonho erótico com a tua colega de carteira, que já comeste macacos do nariz, que já rapaste completamente a tua zona púbica, ou ainda que já te esqueceste de vestir as cuecas, não contribui em nada para a minha formação cultural. Mas admito, é revigorante. Faz-me sorrir saber que já adormeceste num comboio e acordaste com a roupa toda babada.

- Olha lá - pergunto - mas não tens andado a estudar? Para a semana temos teste de português, não te esqueças. Olha que a stôra é lixada..!
- Estou-me bem a cagar para ela..! Para ela e para o zarolho do Camões, já estou farto do gajo até aos ossos.
- Não sejas parvo, olha que ainda chumbas àquela merda...
- E eu preocupado - encostas a bicicleta a uma árvore e começas a despir a camisola - bora!

(SPLASHHHhh)

Eu sei que não estás preocupado, que curtes é andar de bicicleta comigo enquanto me contas todas as tuas pequenas histórias, todas aquelas que te aconteceram - as divinas, as hilariantes, as fúteis, e até as obscenas - para depois pararmos no rio, em dias quentes como este, tomarmos um bom banho e voltarmos para casa a cantar os novos hits da rádio cidade. Só que provavelmente tu vais jogar Playstation antes de ir para as aulas e eu vou ler Camões e fazer equações. E eu sei, eu sou puto mas sei que o nosso futuro vai ser uma bela merda por causa de gajos como tu, que foste capaz de interromper o meu discurso sobre as galinhas do meu pai, e de como não corremos nós o risco do nitrofurano, para me contares que a Patrícia já andou uma semana com as mesmas cuecas vestidas.

quinta-feira, maio 22


A querida Papoila publicou, na passada terça-feira, algumas das questões que me atormentam as poucas horas de sono a que tenho direito... A resposta chegou na quarta e não poderia ter sido mais esclarecedora e brilhante. Ora vejam!

segunda-feira, maio 19

Mata-me


Quatro Olhos


Com toda a força que tenho entre mãos: Sufoco.
Triste. Beleza de morte.
A noite cai-me nos braços, ainda não acordei.
O espectáculo que é assistir ao vôo dos pássaros: lâminas que cortam a paisagem.
E apareces tu, como se nada fosse, interrompendo-me o sonho.
Inabalável.
Agitas-me as mãos para eu acordar, o corpo. Lanças no escuro gritos de desespero, e abanas-me novamente.
A paz.
Agitas-me. Apertas-me.
Estou drogada demais e não te oiço.
Sufocas-me.
Morro. Abro os olhos e morro: acordei da escuridão.

Estrábico - quatro olhos, monstro.
Sai daqui, desaparece... quero voltar a sonhar.
O tecto desce, as paredes movem-se. Os quadros tomam o meu lugar. A luz prende-me os olhos e gira em torno de mim.
Desfiguração.
Gritas.
Sai daqui...
Gritas.
Desaparece!
Não páras de gritar.
Sufocas-me!
Desistes.
A arma fatal que tinha entre mãos. A palavra que fere, rói, e te arranca o coração.
Sufocas-me! Desaparece, sufocas-me!
Lanças a porta, protesto, tentativa de evasão. Estrondo.
Caem-me quadros da escuridão.
Fecho os olhos. Desapareço. Diluo-me na solidão.
Esta forma de estar que é dormir por cansaço de estar.
Fecho os olhos e durmo.

Não tarda apareces e volto a morrer.
Então mata-me, mata-me de uma vez só!

domingo, maio 18

Silêncio

O meu silêncio é, e o meu olhar julga-te a alma, a arma que tenho contra a sedução, o sorriso que se esqueceu de partir.
Fragmentos

[...] Atormentaste-me com a tua insistência, transtornaste-me com o teu ardor, encantaste-me com a tua delicadeza, confiei nas tuas juras, seduziu-me a minha inclinação violenta, e o que se seguiu a tão agradável e feliz começo não são mais que suspiros, lágrimas e uma tristíssima morte que julgo sem remédio. É certo que tive, ao amar-te, alegrias surpreendentes , mas custam-me agora os maiores tormentos: são extremas todas as emoções que me causas. [...]

Mariana Alcoforado- Cartas Portuguesas

sexta-feira, maio 16

Medo

Olhos. Mãos.
Quando te vi não sabia que eras tu.
Um dia pediste: abre os olhos - e eu mantive-os fechados, tão cerrados que não via nem um traço de luz.
Quando o sol nascia, não era nada comigo.
Acordava, bocejava, levava horas para me mexer.
Não te queria.
Não te via.
Não te tocava.
Solidão.
Desejo de solidão.
O tempo passava e parecia que a vida não existia, que estava apenas à espera de um motivo para morrer. E quando em segredo te olhava, tinha medo de viver.
Medo.
E no entanto procurava-te em cada recanto do dia.
Sonhava.
Imagináva-nos eternos, sem princípios nem leis, sem termos sequer nascido.
Almas.
Qualquer coisa que nunca tivesse fim.
Depois acordava e telefonava-te. Não apareças mais - pedia. E tu não aparecias.
Não entendias.
Iamos morrendo em cada dia e tu não entendias, não compreendias que não queria morrer contigo.
Ver-te crescer, envelhecer, morrer.
E perder-te.
E nunca te tive por medo de viver.

quarta-feira, maio 14

Felicidade

"quando acordamos de manhã e a primeira coisa que fazemos é sorrir
quando olhamos para o lado e só vemos uma coisa
quando nos levantamos e só nos apetece ir para um lugar
quando nos espreguiçamos e sentimos todo o espaço do mundo à nossa volta
quando sentimos um calor que não o nosso na pele
quando ouvimos um som e apenas nos soa àquela voz
quando fechamos os olhos e vemos aquela pessoa
quando provamos um doce que tem sempre o mesmo sabor
quando sentimos uma brisa ligeira e quente pelo corpo como se daquelas mãos se tratasse
quando passamos por um campo de acácias e o cheiro é-nos inconfundivelmente familiar
quando bebemos aquela água fresca e sentimos nos lábios, na língua, na boca a frescura daqueles beijos
quando nos chamam e por momentos ínfimos, ao nos virarmos, é aquela
pessoa que esperamos encontrar com os olhos
quando paramos, sentados, num banco de jardim, suspiramos bem fundo e sentimos aquela sensação de paz, de contentamento, de harmonia, de ser
quando estamos a adormecer e o último pensamento consciente é daquela pessoa
quando dormimos e a última coisa que fazemos é sorrir
"

Cristina Nunes

segunda-feira, maio 12

Saudade

Às vezes parece que nasce um peso cá dentro e não conseguimos explicar, não conseguimos dizer porque não soltamos sequer um ai.
E suspiramos.
Vemos o mundo lá fora e parece que não nos é nada, que não foi aqui que nascemos, ou que nos perdemos no caminho para casa. E lembramo-nos dos outros, de nós, de como os outros eram, de como nós éramos...
Às vezes temos saudades dos outros, dos que deixamos para trás e dos que nos deixaram. Dos que fizeram questão de nos provar que nada é eterno e que mesmo os mais próximos mais cedo ou mais tarde se afastam. Às vezes até temos saudades de nós. Paramos em frente ao espelho e bloqueamos o tempo, corremos memórias de nós próprios, e queremos por vezes, mesmo que por escassos momentos, regressar atrás. Fugir para o passado. Só para ter o prazer de também dele fugir.
E suspiramos.
Às vezes nem damos conta do tempo a passar, e quando percebemos já é tarde demais para regressar. E o que foi que fizemos, porque é que mudou, mas porque é que o tempo não pára quando nós queremos que assim seja?
Sentimos saudade do sol, da chuva, da lua que está há muito escondida, do amigo que nunca mais disse nada, do café que aquela pastelaria servia, e guardamos memórias, bilhetes de cinema, de museus, e fotografias, montes e montes de fotografias porque sabemos que cedo ou tarde o tempo apagará a memória e já nem a saudade nos deixará sentir.
E suspiramos.
Sentimos saudade da paixão e de tudo que nos já fez vibrar, viver e explodir em emoção. Às vezes sentimos saudade do amor e mais parece que é o amor que sente saudade de nós.
Às vezes sentimos saudade de sentir saudade. E vezes há, em que parece que sentimos saudade do que nunca vivemos. Até a sentimos pelo que nos fez sofrer, mas só porque em tempos também nos fez sorrir.
E suspiramos, mas só não o fazemos pelo que já nos fez triste.


(este fui buscá-lo ao baú... já tinha saudades...)
Sonho



Todos os dias ela apanhava o mesmo comboio, e sentava-se no mesmo lugar.
Ele aparecia na estação seguinte e sentava-se à sua frente.
Trocavam olhares.
Ela piscava os olhos, de tanta timidez, e a ele explodia-lhe a alma.
Sorriam.
Ela apertava as mãos, uma na outra, com medo que tremessem, e ele cruzava as pernas.
Durante meses o mesmo cenário.
Um dia ele não apareceu, e a cadeira ficou vazia.
Depois, no seu lugar sentou-se outra mulher, como ela.
Não houve troca de olhares nem almas a explodir. Apenas a dela, dilacerada. Mortificada.
Não tinha porquê piscar os olhos ou apertar as mãos.
Subitamente, a outra mulher cruzou as pernas.
Ela deixou cair a cabeça, fixando os olhos e as lágrimas nos pés.
Dias passaram, a mesma mulher.
O mesmo cruzar de pernas.
E ela perdeu o sentido da vida.
Não tendo mais por onde sonhar, um dia atirou-se à linha, e a sua morte fez parar os comboios.
Na estação seguinte, de regresso de férias, o homem esperava por voltar a sonhar.

Mas o sonho acabou.

sábado, maio 10

Fiona Apple - Never is a promisse



"You'll never see - the courage I know
Its colors' richness won't appear within your view
I'll never glow - the way that you glow
Your presence dominates the judgements made on you


But as the scenery grows, I see in different lights
The shades and shadows undulate in my perception
My feelings swell and stretch; I see from greater heights
I understand what I am still too proud to mention - to you


You'll say you understand, but you don't understand
You'll say you'd never give up seeing eye to eye
But never is a promise, and you can't afford to lie


You'll never touch - these things that I hold
The skin of my emotions lies beneath my own
You'll never feel the heat of this soul
My fever burns me deeper than I've ever shown - to you


You'll say, Don't fear your dreams, it's easier than it seems
You'll say you'd never let me fall from hopes so high
But never is a promise and you can't afford to lie


You'll never live the life that I live
I'll never live the life that wakes me in the night
You'll never hear the message I give
You'll say it looks as though I might give up this fight


But as the scenery grows, I see in different lights
The shades and shadows undulate in my perception
My feelings swell and stretch, I see from greater heights
I realize what I am now too smart to mention - to you


You'll say you understand, you'll never understand
I'll say I'll never wake up knowing how or why
I don't know what to believe in, you don't know who I am
You'll say I need appeasing when I start to cry
But never is a promise and I'll never need a lie"


Fiona Apple

quinta-feira, maio 8

Fragmentos

- Começo a sentir-me excessivamente farta deste torpor.
- Qual torpor?
- Esta inércia.
- Mas estás a falar do quê, de ignorância ou de inacção?
- Sei lá.
- (...)
- Estou a falar deste estado em que estou, em que faço, faço, faço e fico sempre com a sensação que não fiz foi a ponta de um corno..!
- Ah!
- É um bocado ingrato não achas?
- Acho que tens muita coisa a esquecer...
- Eu queria.
- Eu também.
- Sabes o que é tentares a concentração, focares bem um objectivo, e quando dás conta já tudo se desvaneceu, já o teu olhar se dissipou completamente no infinito? Por mais que eu me tente recolher, as minhas ideias seguem todas o mesmo fim. É aterrador.
- Já sabes o que dizem do tempo, não sabes?
- E daí? Também dizem muitas merdas de mim e mais de metade não são verdade.
- Claro, claro.
- “Claro, claro”... quem não te conheça que te compre.
- Ya, já estou farto de te aturar.

quarta-feira, maio 7

Gostava de ter a coragem de queimar todas as tuas lembranças.

Partida - Ana Teresa Silva



“Navego num mar de palavras e vejo os teus olhos, mais castanhos do que o costume, agitados, agitando a incerteza e a certeza dos passos, a prepotência do tempo que não pára e a angústia de tudo o que não se sabe, de tudo o que se deixa, levando ao mesmo tempo. O dom do esquecimento não o quero ter e a capacidade de partirmos com a calma das aves migratórias é difícil de alcançar. Essa calma que nos deixa ir para sonos profundos e sonhar sem medo de lembrar. Não vejo o tempo lá fora. Os vidros, com a noite, ficaram autênticos espelhos e, mais uma vez, só consigo ver o reflexo do que me vai na alma. O tempo lá fora é algo distante. Do vento que sopra nem conheço o som. Cá dentro a vida são palavras que deixo aqui escritas para que assim fiquem. Para que assim permaneçam.


Tu que compreendes os meus assaltos de fúria, o sangue vermelho revolto nas veias, a vontade de fazer mais, sempre mais, comprende esta calma. Uma calma tranquila demais ao ver-te partir. Uma calma silenciosa, pois não posso agitar a minha crina. Só posso dizer que sim, sim mansamente, ao que sei que é bom para ti.



Às vezes parece que vivemos mais depressa do que pensamos e quando pensamos, já não sabemos o que se passa. Neste momento já não sei se escrevo ou se foi o mar dos pensamentos que me assaltou as palavras. Apetece-me escrever-te. Escrever-te sem pensar nisso. Como se falasse, contrariando as barreiras do lógico. Só para te ouvir escutar. Só para te ver responder.


Depois de tudo, a síntese: quando duas vidas se abraçam, o tempo e o espaço não contam.”


Ana Teresa Silva in dizer-te

segunda-feira, maio 5

Essay (tentado no meu último ano de curso)


"A arquitectura é de todas as artes aquela que mais ousadamente procura reproduzir no seu ritmo a ordem do universo" Umberto Eco

Atravesso os olhos pela janela e observo: cercam-me inúmeras edificações. Jogos de cores e contrastes distintos, tentativas do orgânico e organizado. A fútil ligação deste olhar com o infinito, na expectativa de encontrar um pedaço de sobriedade. E o que vejo então? Mais uma vez o terrível edificado, as casas, os prédios, aquele supermercado amarelo lá ao fundo (coberto de grafittis), os candeeiros perdidos pelos passeios, pedaços de verde que brotam aqui e além (creio que sobreviventes do inevitável)... pessoas que atravessam a estrada sem qualquer pressa, de mãos dadas com crianças ou a puxar o cão pela trela. Penso: talvez seja por ser domingo.
(perco-me)
Nada disto importa – mas de que me serve fixar os olhos neste turbilhão de materiais desordenadamente acumulados, nesta série indefinida de acontecimentos?
Sorrio – talvez noutro lugar a paisagem seja de ouro.

Nunca guardei o cartão de visita da beleza. Nunca ficou comigo, apenas guardo a certeza de ser ela a única conquista eterna do homem. Por muito que o seu conceito se altere de pessoa para pessoa, de geração para geração, o belo existirá sempre, e continuaremos sempre em busca dele.
E tudo o resto? Morre, ou não? E a Arquitectura... morre? Se a Arquitectura é (ou pretende ser) mais uma das “gloriosas” criações do homem, torna-se lógico que esta o imortalize. Se ela tenta conquistar o belo através de todos os nossos sentidos: paladar, audição, visão, tacto, olfacto. Se dela depende o nosso dia a dia, o nosso bem estar.

Será então Arquitectura esta realidade que me cerca, ou será antes um produto de conjugação de imaginação, inteligência e intuição? Do seguinte estou certa: A Arquitectura é uma Arte. A questão aqui é que todo o meu conhecimento (toda a minha lógica e experiência académica) me levam a acreditar na raridade da Arquitectura, porque toda a que me foi ensinada era Arte. E estes prédios que me cercam não o são, tratam-se apenas de uma mera construção. Todos os locais que visitei em busca de algum objecto arquitectónico continham Arte. Todas as minhas ideias, pensamentos, sonhos, todos eles apontam para o mesmo, e a realidade não.

Enfrentamos o conhecimento, realizamos o irrealizado, e damos conta do desconhecido. Como o homem que sonha com o monstro que lhe diz “Sou a parte de ti que não conheces”.
O conhecimento tem um preço e é preciso aceitá-lo, pois depende disso o progresso da humanidade. Gregos e Romanos dedicavam templos a Deuses e demais entidades espirituais e ocultas, e hoje, devido ao progresso da ciência, a intervenção divina é cada vez menos um recurso ou necessidade. E não estou com isto a tornar-me descrente ou oca de qualquer fé, porque ao entender a Arquitectura como reflexo e produto de cada cultura, de onde se definem os valores que a caracterizam, constato um conhecimento baseado na certeza da alma. Basta reflectir um pouco na identidade de qualquer indivíduo para concluir que esta contém muita mais informação que matéria, e é esse excesso de informação que me faz crer na existência da alma.
(perdi-me)

A Arquitectura é uma Arte que nasce da imaginação, inteligência e intuição, que joga com a renovação e integração dos aspectos espirituais da nossa sociedade. É um meio de atribuir ao imaginado um corpo físico, dando-lhe vida graças a quem o habita ou por ele passa, graças a quem o torna seu, porque a Arquitectura é espaço, a Arquitectura é de quem a vive. Não se trata apenas de uma simples ferramenta de forma e função. Tem que ser dinâmica, honesta, sincera, transparente, actual, tem que ter harmonia e vigor, música, movimento, passado, presente e futuro. Crítica. E não pode deixar de ter poesia. Porque quando a ideia do objecto arquitectónico nasce, nasce também toda uma poética que lhe pertence. Como se das fundações poéticas desse objecto se erguesse o edificado. Todas as sensações, percepções, memórias, ideias, raciocínios, todos os afectos e sentimentos que levam à criação artística da Arquitectura, todos eles formam um poema.

E é assim que a Arquitectura é poesia edificada.