domingo, maio 25

O jogo da verdade

Esta manhã, como de costume, peguei na bicicleta e fui a correr ter contigo. Toquei à campaínha e esperei, sentado nos degraus da escada da entrada, uns trinta minutos. Apareces então de torrada na boca, a pedir desculpa pelo atraso e a enrolar a meia direita para fora das calças. Pergunto-te "com o calor que está, e se não queres estragar mais umas calças, porque raio não vens tu de calções?" e tu não respondes nada, agarras na bicicleta e pões-te a andar.
Porque é que nunca esperas por mim?
No caminho até ao rio, completamente empoeirado, falas-me de um jogo que fizeste na noite anterior com uns amigos - o jogo da verdade - o qual consiste, segundo as tuas regras, em responder sempre a verdade às perguntas que são feitas. Confesso que eu, como sempre espectante, ainda fiz um esforço para responder a algumas das questões que me puseste, mas tens que concordar que perguntas como as seguintes não me dão propriamente gozo a responder :

- Já alguma vez viraste umas meias usadas ao contrário e as calçaste novamente?
Boa técnica, mas nunca me lembrei disso!
- Já alguma vez passaste o dia todo com um macaco colado à cara sem dar por nada?
Já.
- Já algumas vez soltaste um gaz e culpaste o parceiro do lado?
Que me lembre...
- Já alguma vez te divertiste a incendiar os teus próprios gazes?
AH!AH!AH!... AH!ah!... ah... (silêncio)... desculpa, não sabia que se podia fazer isso...

Então calo-me e fico a ouvir-te contar as perguntas e as respostas que os teus amigos fizeram e deram uns aos outros, na noite anterior, e chego à conclusão de que todos nós temos a nossa vida cheia de pequenas histórias divinas, totalmente hilariantes, futéis, e até obscenas. Saber que já tiveste um sonho erótico com a tua colega de carteira, que já comeste macacos do nariz, que já rapaste completamente a tua zona púbica, ou ainda que já te esqueceste de vestir as cuecas, não contribui em nada para a minha formação cultural. Mas admito, é revigorante. Faz-me sorrir saber que já adormeceste num comboio e acordaste com a roupa toda babada.

- Olha lá - pergunto - mas não tens andado a estudar? Para a semana temos teste de português, não te esqueças. Olha que a stôra é lixada..!
- Estou-me bem a cagar para ela..! Para ela e para o zarolho do Camões, já estou farto do gajo até aos ossos.
- Não sejas parvo, olha que ainda chumbas àquela merda...
- E eu preocupado - encostas a bicicleta a uma árvore e começas a despir a camisola - bora!

(SPLASHHHhh)

Eu sei que não estás preocupado, que curtes é andar de bicicleta comigo enquanto me contas todas as tuas pequenas histórias, todas aquelas que te aconteceram - as divinas, as hilariantes, as fúteis, e até as obscenas - para depois pararmos no rio, em dias quentes como este, tomarmos um bom banho e voltarmos para casa a cantar os novos hits da rádio cidade. Só que provavelmente tu vais jogar Playstation antes de ir para as aulas e eu vou ler Camões e fazer equações. E eu sei, eu sou puto mas sei que o nosso futuro vai ser uma bela merda por causa de gajos como tu, que foste capaz de interromper o meu discurso sobre as galinhas do meu pai, e de como não corremos nós o risco do nitrofurano, para me contares que a Patrícia já andou uma semana com as mesmas cuecas vestidas.