segunda-feira, maio 5

Essay (tentado no meu último ano de curso)


"A arquitectura é de todas as artes aquela que mais ousadamente procura reproduzir no seu ritmo a ordem do universo" Umberto Eco

Atravesso os olhos pela janela e observo: cercam-me inúmeras edificações. Jogos de cores e contrastes distintos, tentativas do orgânico e organizado. A fútil ligação deste olhar com o infinito, na expectativa de encontrar um pedaço de sobriedade. E o que vejo então? Mais uma vez o terrível edificado, as casas, os prédios, aquele supermercado amarelo lá ao fundo (coberto de grafittis), os candeeiros perdidos pelos passeios, pedaços de verde que brotam aqui e além (creio que sobreviventes do inevitável)... pessoas que atravessam a estrada sem qualquer pressa, de mãos dadas com crianças ou a puxar o cão pela trela. Penso: talvez seja por ser domingo.
(perco-me)
Nada disto importa – mas de que me serve fixar os olhos neste turbilhão de materiais desordenadamente acumulados, nesta série indefinida de acontecimentos?
Sorrio – talvez noutro lugar a paisagem seja de ouro.

Nunca guardei o cartão de visita da beleza. Nunca ficou comigo, apenas guardo a certeza de ser ela a única conquista eterna do homem. Por muito que o seu conceito se altere de pessoa para pessoa, de geração para geração, o belo existirá sempre, e continuaremos sempre em busca dele.
E tudo o resto? Morre, ou não? E a Arquitectura... morre? Se a Arquitectura é (ou pretende ser) mais uma das “gloriosas” criações do homem, torna-se lógico que esta o imortalize. Se ela tenta conquistar o belo através de todos os nossos sentidos: paladar, audição, visão, tacto, olfacto. Se dela depende o nosso dia a dia, o nosso bem estar.

Será então Arquitectura esta realidade que me cerca, ou será antes um produto de conjugação de imaginação, inteligência e intuição? Do seguinte estou certa: A Arquitectura é uma Arte. A questão aqui é que todo o meu conhecimento (toda a minha lógica e experiência académica) me levam a acreditar na raridade da Arquitectura, porque toda a que me foi ensinada era Arte. E estes prédios que me cercam não o são, tratam-se apenas de uma mera construção. Todos os locais que visitei em busca de algum objecto arquitectónico continham Arte. Todas as minhas ideias, pensamentos, sonhos, todos eles apontam para o mesmo, e a realidade não.

Enfrentamos o conhecimento, realizamos o irrealizado, e damos conta do desconhecido. Como o homem que sonha com o monstro que lhe diz “Sou a parte de ti que não conheces”.
O conhecimento tem um preço e é preciso aceitá-lo, pois depende disso o progresso da humanidade. Gregos e Romanos dedicavam templos a Deuses e demais entidades espirituais e ocultas, e hoje, devido ao progresso da ciência, a intervenção divina é cada vez menos um recurso ou necessidade. E não estou com isto a tornar-me descrente ou oca de qualquer fé, porque ao entender a Arquitectura como reflexo e produto de cada cultura, de onde se definem os valores que a caracterizam, constato um conhecimento baseado na certeza da alma. Basta reflectir um pouco na identidade de qualquer indivíduo para concluir que esta contém muita mais informação que matéria, e é esse excesso de informação que me faz crer na existência da alma.
(perdi-me)

A Arquitectura é uma Arte que nasce da imaginação, inteligência e intuição, que joga com a renovação e integração dos aspectos espirituais da nossa sociedade. É um meio de atribuir ao imaginado um corpo físico, dando-lhe vida graças a quem o habita ou por ele passa, graças a quem o torna seu, porque a Arquitectura é espaço, a Arquitectura é de quem a vive. Não se trata apenas de uma simples ferramenta de forma e função. Tem que ser dinâmica, honesta, sincera, transparente, actual, tem que ter harmonia e vigor, música, movimento, passado, presente e futuro. Crítica. E não pode deixar de ter poesia. Porque quando a ideia do objecto arquitectónico nasce, nasce também toda uma poética que lhe pertence. Como se das fundações poéticas desse objecto se erguesse o edificado. Todas as sensações, percepções, memórias, ideias, raciocínios, todos os afectos e sentimentos que levam à criação artística da Arquitectura, todos eles formam um poema.

E é assim que a Arquitectura é poesia edificada.