terça-feira, dezembro 30

Innuendo


Eu sei, sempre o início depois do fim. Sempre o amanhecer depois da noite, o olá depois do adeus. Nem precisas de me dizer que o tempo segue sempre o tempo.
Embora haja coisas que se perpetuam pela memória, pelo sangue no sangue, outras há que se deixam rasgar pelo tempo, ou o inevitável. O mal, o mal todo, está nas expectativas que depositamos nas coisas, porque se nos tivessem ensinado a sonhar com o inevitável, com o efémero, nunca nos deixaríamos abater pela desilusão. E tudo isto não joga nunca a favor de um pessimismo, mas sim da vontade plena de optimizar o sonho, atribuindo-lhe um início e um fim, mesmo que esse fim seja a eternidade. Assim haverá sempre mais, mais e mais sonhos, como se por cada fruto que caísse de uma árvore nascessem dois, ou como a teoria da divisão das almas.
Vem – vem aí o ano novo. E mesmo que eu não queira acabo sempre por lhe atribuir uma responsabilidade decorada, fruto de desilusões passadas. E será sempre assim – um ano após o outro. Um ano novo a sobrepor um velho, um sonho a substituir outro ou a acrescentar o mesmo.
É agora, é agora, e deste ano não passa – dizemos, mas estas são só palavras cheias de coragem a tentar bater a ingenuidade.
Parece não ter nada a haver, mas a passagem de ano faz-me sempre recordar as palavras do meu pai, sempre que se partia um copo: Se os copos não se partissem, as fábricas fechavam. Pois é pai... e se os sonhos não se quebrassem, deixávamos de sonhar...

segunda-feira, dezembro 29

Se tanto me dói que as coisas passem



Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante
em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem



Sophia de Mello Breyner Andresen


Taking my time


Still Dreaming


sexta-feira, dezembro 19

Let me in


Let me in


It's two in the morning
And I'm calling your name
Your voice on the line is
So far away
And my heart reaches out there
And finds you gone
You walk a path lonely
But you're never alone

And I'm begging you please
Please
Let me in
Please
Please
Let me in

I know there are times when
In ashes you lie
Each one has a shadow
We can't deny
But there in your darkness
Living your pain
Wanna wrap you in love, babe
Again and again

I'm begging you please
Please
Let me in
(...)



Lamb - Please

quinta-feira, dezembro 18

Persistência da memória


Aprendi contigo que afinal o tempo não desaparece como os fracassos da memória. Afinal o tempo persegue-nos... Por isso esquece, esquece de uma vez essa ideia de que tu é que me persegues, pois é ele - o tempo - que insistirá sempre em trazer-nos de volta.

segunda-feira, dezembro 8

I just drive


I just drive


(...)
I know it's late now I know I
Ought to go
Ride in your car now
But please don't drop me home
My head's so heavy
Could
This be all a dream
Promise me
Maybes and say things
You don't mean
Rain fall from concrete colored skies
No boy don't speak now
You just drive
(...)



Bic Runga- Drive

sexta-feira, dezembro 5

Welcome to DreamBuster


Pensou hoje não quero nem a minha casa nem o meu quarto, nem as pessoas à minha espera. Pensou se tudo farta vou entrar no sonho, vou até à DreamBuster alugar outro espaço. E percorreu as prateleiras do clube de sonhos até encontrar um que o preenchesse. Levou-o para casa, colocou-o no dvd, e mais uma vez o espaço transformou-se - à sua volta não existiam mais os mesmos móveis, o mesmo chão, o mesmo tecto - estava sentado num puff voltado para a televisão, de imagem negra e estanque. Levantou-se a correu até à janela, admirando o novo mundo. Só 180 minutos, só 180 minutos lembrava-se. Descalçou-se e avançou para o jardim, caminhando sobre pedras reboludas. A vida nunca tem este sentido, nunca me lembraria de plantar macieiras no quintal, de espalhar pedras em volta de espelhos de água, nem nunca imaginaria um relvado a tocar no infinito. Nunca, nunca a ficção se aproximara tanto de um sonho. Nunca a realidade se turvara tanto aos olhos enganando os sentidos.
100 minutos e o por do sol era indescritível.
Voltou a casa para ser surpreendido. Sabia que alguém o esperava, e a ansiedade incendiava-lhe as mãos. Ela, ela, ela. Ela está à minha espera. E sabia do risco de se apaixonar e de se perder no sonho, sabia que os sentimentos moldavam a razão e o levariam a actos de loucura. Cerrou os punhos e avançou. Mordeu os lábios, a língua. E assim que a viu nasceram rosas por toda a casa. Estremeceu.
O que é a vida senão a certeza da conquista? E porquê o risco de nos perdermos na ilusão e vivermos eternamente em desacordo com a realidade?
30 minutos e a conversa não poderia durar mais. Pensou tenho que voltar, tenho que largar os sapatos de cristal e voltar à objectividade e as lágrimas correram-lhe dos olhos em direcção ao jardim.
Olhou para a televisão e pôde ver a sua vida naquela imagem negra, em tudo vazia.
Olhou para ela. Desligou a luz. Desistiu da vida e viveu eternamente no sonho, mesmo sem luz, mesmo sem certezas, conquistando a realidade.

Partida


Tudo o que é tristeza vem
de não mais ver os teus olhos
ou deste véu que estendi em mim
e eu sei porque dói ver-te partir
carregando o engano e a ausência
da minha palavra.

Não há palavras
apenas eu posso estender os braços
no infinito
mesmo temendo o futuro
não querendo dizer a palavra
ou o que talvez fosse certo.

E é assim que te vejo partir
mochila às costas cheia de desilusões
e sempre um cantil cheio de lágrimas.


Será que me entendes?
É que nem eu me entendo a mim própria.

quinta-feira, dezembro 4

terça-feira, dezembro 2

Sleep to Dream


"I tell you how I feel, but you don't care
I say tell me the truth, but you don't dare
You say love is a hell you cannot bear
And I say gimme mine back and then go there - for all I care

I got my feet on the ground and I don't go to sleep to dream
You got your head in the clouds and you're not at all what you seem
This mind, this body, and this voice cannot be stifled by your deviant ways
So don't forget what I told you, don't come around, I got my own hell to raise

I have never been so insulted in all my life
I could swallow the seas to wash down all this pride
First you run like a fool just to be at my side
And now you run like a fool, but you just run to hide, and I can't abide

I got my feet on the ground and I don't go to sleep to dream
You got your head in the clouds and you're not at all what you seem
This mind, this body, and this voice cannot be stifled by your deviant ways
So don't forget what I told you, don't come around, I got my own hell to raise

Don't make it a big deal, don't be so sensitive
We're not playing a game anymore; you don't have to be so defensive
Don't you plead me your case, don't bother to explain
Don't even show me your face, 'cuz it's a crying shame
Just go back to the rock from under which you came
Take the sorrow you gave and all the stakes you claim -
And don't forget the blame

I got my feet on the ground, and I don't go to sleep to dream
You got your head in the clouds and you're not at all what you seem
This mind, this body, and this voice cannot be stifled by your deviant ways
So don't forget what I told you, don't come around, I got my own hell to raise"


Fiona Apple


domingo, novembro 30

Despedida


"Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? - me perguntarão. -
Por não Ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras ?
Tudo.
Que desejas ?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação ...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão !
Estandarte triste de uma estranha guerra ... )
Quero solidão."

Cecília Meireles

quarta-feira, novembro 26

Let me out


let me out


"let me out I'm a cloud
I can't live here anymore
turn the sky inside out
I can't live here anymore
fish for nails in a drought
I can't live here anymore
all is ash in my mouth
I can't live here anymore"

Laika - Fish for Nails (wherever I am I am what is missing)

domingo, novembro 23

Assalto


Tantas vezes quis dizer amo-te e não disse.

Tantas vezes quis ouvir da tua boca que o amor não acaba como acabam os barcos no infinito, quis abraçar-te num pranto e só deixei cair os braços no desespero de uma conformação por algo que eu sabia efémero, mesmo quando me davas a mão e dizias amo-te, ou quando me abraçavas e me prometias o amanhã.
Quantas vezes quis pedir-te para não deixarmos o tempo secar o orvalho das manhãs, nem as ondas apagarem as nossas pegadas.
Tantas vezes perguntei o que é o amor? e ninguém me soube responder... E afinal o amor é só isto: uma alma assaltada e um coração roubado.

E podia muito bem ter dito já que me assaltaste a alma, toma bem conta do meu coração.

segunda-feira, novembro 17

Manhã


Guincho


Ao acordar uma luz diferente, de um sol há tanto escondido a espreitar pela janela, e depois a vontade de estar lá - mais perto - onde às vezes há tanta tristeza.
Sorrir, sorrir onde tanto se chora, pode-nos encher a alma, porque só a beleza nos compreende em todas as emoções.

sábado, novembro 15

Desenhos passados


Capitel - Jerónimos


Sem borracha, desenhei a minha vida sem o medo de errar. Agora, sentada a à conta do vento, penso "se voltasse atrás faria tudo igual" e que "nem os cortes que me feriram os dedos, das folhas, nem esses evitaria".
E é irónico como um desenho como este, com mais de sete anos, consegue trazer tantas recordações.

terça-feira, novembro 11

E não existir


Algures, perdidas no infinito, estão as tuas mãos fechadas à espera do meu tempo.
Nasci não faz muito tempo, e tenho consciência que pouco me falta para o fim. É esta certeza que me faz querer tudo e saltar as ondas do mar atrás dos barcos, como se um sopro me acordasse do sono do cansaço.
Salto as ondas na proa da minha quimera, salto as ondas e cruzo a linha do infinito num mergulho só. Salto as ondas e nem dou conta das vezes que já me afoguei. É que, sabes, é só quando quero estar só que não suporto as portas abertas, é só quando quero a solidão que me tranco no convés do navio, daí o meu estômago revestido por uma camada de sal.
Lá longe, sempre lá longe a linha do infinito. Sempre as tuas mãos, fechadas, à espera do tempo, do meu tempo - do nada - e mesmo assim não paro, mesmo assim não descanso, porque a espera pelas estações é quebrada pela impaciência do cansaço, e todas as noites um sopro de violino me pede para viver.

domingo, novembro 9

Darkness


I couldn't see darkness until now


Por vezes, quando as palavras nos enfurecem e atravessam que nem setas, tapamo-las com panos quentes - cobrindo também o coração - como base sobre olhos mal dormidos, sorrisos fingidos, máscaras de carnaval.
Às vezes esquecemo-nos que tudo o que é nosso existirá sempre, mesmo não visível aos sentidos. Sempre, sempre lá - não adianta tapar, esconder - e mesmo o amor, mesmo todas as coisas que não nos pertencem (mas por alguma razão fazem parte de nós) serão sempre o que são no seu lugar cativo. Mesmo mais, ou menos, serão sempre.
Escondê-las e observá-las entregues ao tempo não serve de nada, a não ser para simular setas e panos quentes, iludindo-nos com tantos disfarces.


Isto tudo como quem diz: Não vi o eclipse da lua.
Quando quiser fecho a janela - melhor - os olhos.

quinta-feira, novembro 6

Janela


Ali, o mar


"Quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer

a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas

um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz

quero morrer
com uma overdose de beleza

e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador"

Al Berto - Vigílias

quarta-feira, novembro 5

Antes


"o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade."


José Luís Peixoto

segunda-feira, novembro 3

Lonely can be sweet


bitter


"Please, come sit down
I need to set you straight
Before we go any further

I’ve learned from loneliness
That lonely can be bitter and lonely can be sweet
Sure, I know I don’t need a man to be complete
And I also know that what I want and what I need
Don’t always meet

But being alone ain’t all that bad
‘Cause see
I’ve been there and I’ve done that
I’m in the midst of an evolution of myself
I was tired of the search
So I had to sit it on the shelf

Lonely can be sweet
Lonely can be sweet
My soul’s music
My life beat
Lonely can be sweet
(…)"

Ursula Rucker - lonely can be sweet

sexta-feira, outubro 31

Sono


noite


"Eu não durmo, respiro apenas como a raiz sombria dos astros: raia a laceração sangrenta, estancada entre o sexo e a garganta. Eu nunca durmo, com a ferida do meu próprio sono. (...) Nunca sei onde é a noite: uma sala como uma pálpebra negra separa a barragem da luz que suporta a terra. (...)"

Herberto Helder - (walpurgisnacht)

terça-feira, outubro 28

Estado de espírito


Off


Delírio


Hoje sou o silêncio. Sem vento, sem os teus passos a acompanharem-me. Sem o meu nome nos teus lábios, como música. Hoje sou só o silêncio, como se me tivesse perdido do mundo no mundo. Como se tivesse calado a minha sede em encontrar-te, lacrando os meus olhos.
O que é o eterno, o que é a perfeição? O que é o sonho, o imaginário? E porque imaginas tu uma felicidade eterna, digna da perfeição, onde todos os sonhos são possíveis? Sei que nunca te julguei perfeito ou ainda eterno, e por isso roubei tantas vezes, de tantos homens e mulheres onde imaginava pedaços de ti, pedaços de sonho, pedaços de mim.
E agora este silêncio. Não existe mar, nem ondas nas rochas, ou grãos de areia entre os meus dedos.
Não há sal na minha carne.
Aqui, onde me perdi, não há nada - e bem posso fechar os olhos que não corro o risco de sonhar-te - só este delírio, só esta certeza de que hoje apenas o silêncio pode existir em mim.

domingo, outubro 26

Só a saudade nestas mãos de menina


Talvez seja o inverno, não sei bem. Quando o frio aperta lembro-me sempre dos meus longos cabelos e das minhas mãos de menina fora dos cobertores - da minha posição retorcida, quase fetal, dentro de um qualquer pijama – e lembro-me também da chuva, na minha janela, a bater nos estores. Era música, não sei, era tal como hoje. Como os passos da minha mãe, as mãos da minha mãe a estenderem o roupão por cima de mim, e eu sempre de olhos fechados, sempre a disfarçar o sono para não perder aquele carinho.
Este género de saudosismo amplia-se, e eu não percebo porquê. A minha mãe a aquecer-me os collants no calorífero e a ajudar-me a vesti-los, suspendendo-me no ar. Os braços seguros do meu pai, ele a levar-me uma caneca de leite quente à cama quando a tosse me roubava o ar. Os passeios, a chuva fora do carro. Os cobertores, o frio, o conforto.
Talvez seja este frio que, agora, me facilite estas memórias. É que agora tenho os cabelos curtos e não há mais roupões a meio da noite, nem collants a aquecer no calorífero. Há mais coisas, eu sei, mas talvez seja o inverno. Talvez seja esta trovoada a estrondear nos meus ouvidos e esta falta de coragem de correr para o colo de alguém. Porque eu sou hoje o que sempre fui, além do novo que ganhei em mim, e apesar de maiores estas mãos continuam as mesmas mãos de menina, sempre as mesmas mãos de menina a espreitar por fora dos cobertores.

quinta-feira, outubro 23

Estado de espírito


café?


Memória


É possível criar tons de azul para os teus olhos, imaginar-te sem pressas como quem espera pelo entardecer. Riscar o teu rosto na parede esbatendo os contornos, esculpindo arestas, embaciando-te os lábios.
É possível amar-te, assim, sem o perigo da eternidade. Esconder o medo nos bolsos e a vergonha de nunca ter o ter vencido. E a memória é só isto, é só isto, é esta faca que me atravessa o peito e me impede de parar. Não são as imagens, ou as fotos, as lembranças do luar. Não são as crianças que corriam na rua, ou a chuva que caía da última vez que te vi. A memória é só isto, ou o deslumbramento do álcool no meu sangue, vítima da vontade de deslembrar. Esta rua, este asfalto, estas luzes que me seguem a sombra, este cheiro, os teus olhos, as tuas mãos pelo ar.
Não é o passado, ou ainda o presente. Ou o único segundo de fuga que tenho ao acordar. Os meus pés na areia, as estrelas a caírem, a tua voz a chamar. A memória não és tu, e é tão somente isto: a vontade de não sonhar.

sexta-feira, outubro 17

Estátua


Quando o tempo reabre feridas perdidas na memória a espera torna-se insuportável, e a esperança tem um travo amargo, como se fosse o único mal que restou na caixa de Pandora.
Às vezes tenho vontade de dobrar os dedos para dentro do peito, de apertar o coração e calcar as feridas da ilusão, de o atar todo em ligaduras de iodo e esperar que o tempo o seque.
Tenho guardados em mim os teus olhos, uns olhos que nunca existiram, uns olhos que turvaram os meus dias e me devolveram a solidão.
Afinal eu não me conhecia, e esta ironia de ser e não ser, a teimosia que temos em nos conhecer, resulta apenas na ingratidão da oferta do pouco que somos ao que julgamos ser tudo.
Neste momento não sei mais como saltar por cima do tempo, da carne. Não sei mais como sair do sono profundo da anestesia.
“Quero que te olhes ao espelho e te encontres no teu reflexo” – mas isto são tudo palavras (e eu sei que sentidas) vindas de um amor profundo que sempre foi a amizade. Sossega. Agora quando me olho ao espelho não vejo mais veias saltarem-me da pele, nem corro mais as mãos para acalmar os soluços dos olhos. Agora vejo-me só a mim, sem qualquer significado, estátua colorida pelos dias. De onde em onde, noto vazios, pedaços que caíram com o tempo. E não voltam, e não voltam. Conseguem somente ver as suas arestas afagadas pela força que vive nos contornos que ficaram.
E o que me custa mais é pesar quem me ama com os meus delírios, arrancando-lhes também, involuntariamente, pedaços coloridos.

Se eu pudesse, desaparecia.

sábado, outubro 11

Rainfall


"I’d like to know what’s going on this world we’re living on,
There’s so much poverty all around me this insanity that surrounds me.
Distant worlds seem so far away people’s lives changing every day.
Oh no I can hear the rain fall, I can hear the rain, I can hear the rain fall, I can hear the rain


I’d like to know when you and I
Will stop walking and passing by
So much ignorance that my eyes see.
My experience cannot blind me

Distant worlds seem so far from here seasons change and the rain is near
Oh no I can hear the rain fall I can hear the rain, can you?
‘cos I can hear the rain fall, can you? I can hear the rain fall

I’d like to find a new reality something more than this fantasy
No more false dreams, no more mind games,
I can’t even see through this dark rain.

Distant worlds seem so far away people’s lives changing every day oh I can hear the rain fall."


Nitin Sawhney - rainfall

quinta-feira, outubro 2

Here i go


See you next week..!
Song For Catherine


"In your dreams, in your bed
in everyone and in your head
on the wall, it ain't white
in every letter that you write

In the way people talk
in the shape of stones and rocks
he's your hero, he's your God
he listens to this song and nods.... and nods

In a voice, in a sound
when you're happy when you're down
it will pass, things will change
but you don't want to hear that

In the scent of the air
on the clothes that people wear
you feel love, so does he
and he's telling you, "I'm here".... "I'm here"
he's here.... he's here"


K's Choice

quarta-feira, outubro 1

Livros


- Também sublinhas os livros?
- Também.
- E também acrescentas palavras, sempre que te apetece?
- Também.
- (...)
- E às vezes apetece-me rasgar folhas. Uma vez estava tão furiosa com um livro que me apetecia arrancar umas folhas..!
- Estavas furiosa com um livro?
- Estava.

terça-feira, setembro 30

Absorção


absorção


"O meu olhar prende o presente
mas a minha alma absorve o futuro
não sei o que fiz ao passado
talvez o tenha enterrado
junto às tuas memórias

Perdido algures no tempo
retido numa praia qualquer
bem perto do mar."


Teresa

segunda-feira, setembro 29

Olhe, era um safari-cola, se faz favor


Safari

Por acaso


"fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. o amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer."


José Luís Peixoto - a criança em ruínas

quinta-feira, setembro 25

Fade


Fade


"(...) Never fade from my mind. Shower me and give me life. Never fade from my mind. Always there when I close my eyes. Never fade from my mind. Shower me and give me life. Never fade from my mind. Always there when I close my eyes...
Hesitate. Pull me in.
Breath on breath. Skin on skin.
Lovin' deep. Fallin fast.
All right here. Let this last.(...)"


Solu Music feat. Kimblee - Fade

quarta-feira, setembro 24

Take this life


Olhos. Mãos.
Quando te vi não sabia que eras tu.
Um dia pediste: abre os olhos - e eu mantive-os fechados, tão cerrados que não via nem um traço de luz.
Quando o sol nascia, não era nada comigo.
Acordava, bocejava, levava horas para me mexer.
Não te queria.
Não te via.
Não te tocava.
Solidão.
Desejo de solidão.
O tempo passava e parecia que a vida não existia, que estava apenas à espera de um motivo para morrer. E quando em segredo te olhava, tinha medo de viver.
Medo.
E no entanto procurava-te em cada recanto do dia.
Sonhava.
Imagináva-nos eternos, sem princípios nem leis, sem termos sequer nascido.
Almas.
Qualquer coisa que nunca tivesse fim.
Depois acordava e telefonava-te. Não apareças mais - pedia. E tu não aparecias.
Não entendias.
Iamos morrendo em cada dia e tu não entendias, não compreendias que não queria morrer contigo.
Ver-te crescer, envelhecer, morrer.
E perder-te.
E nunca te tive por medo de viver.


eu sei que já tinha colocado este post há uns meses atrás, mas hoje... tem uma razão de ser...

segunda-feira, setembro 22

Abrigo


abrigo


Uma casa - um lugar ao sol - uma chávena de café - o cheiro a bolo quente - o som do crepitar da lenha - uma mão estendida - dois braços abertos - uma pequena tenda no quintal à minha espera - a minha infância - os meus livros - a minha música - as palavras.

Um abrigo.

sexta-feira, setembro 19

Não vou por aí


Não vou por aí


"Vem por aqui --- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
--- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
--- Sei que não vou por aí."


José Régio - Cântico Negro

quarta-feira, setembro 17

Mercredi, chá e scones


- Apetecia-me cavar um buraco no teu quintal, esgravatar a terra e meter-me lá dentro. Depois cobrir-me até ficar só com os olhos de fora, a boca e o nariz para respirar.
- Apetecia-me recuperar a tua rebeldia, chorar a tua dor, acalmar a tua revolta. Oferecer-te os teus abraços, tocar-te nos cabelos... e todos os dias quando os primeiros raios de sol aparecessem ir ter contigo, suavemente abrir-te os olhos, e perdermo-nos no silêncio do tempo a passar. E quando a lua aparecesse, devolvia-te à tua dor e contar-te-ia uma história cheia de cores.
- E as cores devolver-me-iam a paz? O calor da terra criaria a ilusão dos abraços?
Sabes... já o fiz. Já o fiz na areia escorregadia das praias, no linho dos meus lençóis, na opacidade dos meus cortinados. Mas o casulo desfez-se sempre e, em todas essas vezes, tive que voltar a nascer. E em todas essas vezes cresceram-me asas com todas as cores.
É isso, e isso sou eu.
- O casulo desfaz-se sempre e não nos deixa o eu anterior. E a terra, nos seus fortes abraços, vai-nos sempre retirando um pouco da nossa pureza, da inocência que faz os nossos olhos brilharem.
Isso somos nós – o mundo – e aquilo que um dia fomos... As nossas asas, preenchidas de cores, libertam-nos, fazem-nos voar uma nova vida. E o ciclo termina, fechamos mais uma caixinha de sonhos.
Quando voltaremos a abrir a próxima? E depois, o que acontece?
- Depois, a confusão dos dias devolve-nos os sonhos. Depois, caem-nos as asas e sentimos as artérias a explodirem-nos no corpo, o sangue a correr pelos dedos. Depois, voltamos aos livros e às aguarelas, aos cigarros. Depois, enfeitiçamo-nos por olhares, por sorrisos, quando tudo o que nos faz falta é paz. Depois, voltas tu, abres-me suave e novamente os olhos, e perdemo-nos novamente no silêncio.
Ainda há sonhos, ou o sonho acabou?
- O sonho acabou, mas ainda há sonhos. Ainda existem uma série de caixinhas vazias que esperam ansiosas por todos os sonhos que irás ter.
Queria poder dizer-te que os sonhos tornarão e serão bons, que poderás andar com eles a correr o mundo, porque esses serão luminosos, porque esses serão belos.
Gostava de ser médica de sonhos e de poder curar os intermináveis sonhos tristes...
- Gostava de contornar todas as curvas deste abismo, de saltar as pedras do teu quintal. Gostava de deixar o sangue subir-me à garganta e gritar para fora toda a confusão.
Às vezes falha-me a força para devolver o brilho aos meus olhos, e então entrego-me aos teus, aos de todos que amo, para conseguir sorrir.
- Agora voltamos a tocar o chão que espera por nós. Voltamos a procurar o brilho nos olhos de alguém. Voltamos de seguida a querer voar, a abraçar com toda a nossa força o próximo sonho.
Porque vamos fazê-lo..!


Tânia, Teresa, e um reflexo no bule.

segunda-feira, setembro 15

Unravel


Dissolução


"While you are away
My heart comes undone
Slowly unravels
In a ball of yarn
The devil collects it
With a grin
Our love
In a ball of yarn

He'll never return it

So when you come back
We'll have to make new love"


Björk - Unravel



"Quando a distância separa os amigos uns dos outros, a música pode voltar a uni-los. Escuta uma canção e pensa nos bons velhos tempos passados com amigos com quem costumavas ouvir música. Poderás chegar à conclusão que eles parecem tão próximos como o compasso seguinte." - Alaric Lewis, O.S.B.

sexta-feira, setembro 12

Traços sonhados

No canto da cama, no resto dos lençóis, prendo à janela uma folha branca e espero pelo sol. Fecho os olhos e traço linhas que se perdem nos rasgos dos teus olhos.
O amanhecer é tardio e a espera consome-me demasiado. Imagino as tuas mãos, alienadas, tentando rasgar a folha do outro lado do vidro, e tudo é excessivo.
Ainda me lembro de quem eras quando me ofereceste de ti, ainda me lembro que os traços que te contornavam não precisavam de ser desenhados. Em cada esquina do teu corpo havia cores diferentes que esperavam por ser esbatidas e eu, inexperiente, não lhes ousava tocar. E lembro-me de como todos os tons se compunham e te compunham numa qualquer obra de Arte.
Agora tu não estás e eu não tenho tintas para te pintar. Agora tu não estás e de nada me servem os pincéis, de nada me serve esta destreza em sonhar-te, pois se não há cores, se só há vida nas minhas mãos e não tenho onde as calar. E a folha, a folha que espera pela luz amarelece, pois as minhas mãos não param cheias de vida, de sonhos, pois ainda te sonho em qualquer tela acabada. Por isso rasgo a folha de um só golpe, rasgo a folha e devolvo-me à almofada, perco-me nos lençóis e espero que o sono me leve até um qualquer museu onde possa encontrar-te.

quinta-feira, setembro 11

Imagem


"Eu não durmo, respiro apenas como a raiz sombria
dos astros: raia a laceração sangrenta,
estancada entre o sexo
e a garganta. Eu nunca
durmo,
com a ferida do meu próprio sono.
Às vezes movo as mãos para suster a luz que salta
da boca. Ou a veia negra que irrompe dessa estrela
selvagem implantada
no meio da carne, como no fundo da noite
o buraco forte
do sangue. A veia que me corta de ponta a ponta,
que arrasta todo o escuro do mundo
para a cabeça. Às vezes mexo os dedos como se as unhas
se alumiassem.
Mas nunca durmo entre os meus braços
pulsando
como grandes carótidas
que alimentem a beleza e rapidez do rosto sobre
músculos fechados.
Enquanto o sol rompe as membranas
dos espelhos: não danço, não
durmo, não respiro mais que a terra esquartejada pelas chamas
lunares.
(...)"

Herberto Helder - (walpurgisnacht)

terça-feira, setembro 9

Sonhos


sonho


"queria guardar os meus sonhos numa caixinha para poder usá-los quando estivesse mais triste" - Lucy

Há sonhos que nos rasgam a pele, nos consomem, nos fazem acordar a meio da noite e desejar alcançá-los mesmo antes de voltar a adormecer. Há sonhos que nos desenham sorrisos quando nos tentam demover do que para nós é certo. Que nos movem as pernas, os braços, e nos fazem seguir em frente. Há sonhos.
E é assim - é assim desde sempre - é assim que sem perceber os guardamos todos em 3 caixas distintas: uns ficam perdidos na memória, uns agarrados à esperança, e outros a saltar no coração. Por isso é que, como costumam dizer, não há mal que sempre dure. Por isso é que depois de um dia triste vem um sonho e nos desenha um sorriso na cara. Por isso é que nunca devemos desistir deles, e sim guardá-los cuidadosamente, um a um, todos dentro de nós.
E guardá-los numa caixinha, como deseja a Lucy, era bem mais simples e bonito. Andar com ela no bolso, ver um amigo triste e ter a oportunidade de dizer: espera, tenho aqui um sonho que te vai fazer feliz!

Sonhar é pintar a vida com um sorriso.

segunda-feira, setembro 8

House in the clouds


"I left my house in the clouds
I walked into someone's afterlife
She kept a pill in her hand
To take when we were about to land

Did you try
To let it go on by?
Did you try?
The Needles and the Uniforms
A schoolgirl and a unicorn
Eclipse a love with a loss
I sought comfort in her underwear
I shaved my face twice a day
Those crazy lambs
They will suffocate

Did you cry
Or let it go on by?
Did you cry?
The aftertaste of something warmer
Of schoolgirls and of unicorns.

Did you try to let it go on by?
Did you try?
The schoolgirl and the unicorn
The Needles and the Uniforms;

I washed her face in the rain
I will return to that place again
Back to my house in the clouds
Back to my house in the clouds"


Perry Blake

sexta-feira, setembro 5

quarta-feira, setembro 3

O teu rosto

Não sei como te dizer isto, mas o tempo tem esmorecido no teu rosto. Tenho a certeza que é passageiro, que cedo largarás o chão e o silêncio - o medo que vive na tua garrafa da razão. Agora não, agora ainda trazes vestido o azul da tristeza, e caem-te pelo ombro as ondas de um qualquer mar salgado. Olha: os dias fogem-te, devagar. Devagar o teu tecto fica mais baixo, e o teu canto cada vez mais se parece com uma alcofa.
Não sei como te dizer isto, mas os pássaros voam todos por baterem as asas, e não por saber voar, como os amantes que se rendem aos lábios que nunca puderam beijar. E nunca, nunca ninguém os ensinou a fazê-lo.

Porque o dia nasce quando o sol brilha nos teus cabelos, e a noite são os teus olhos quando fecho os meus.

terça-feira, setembro 2

A tua mão na minha

Sabes,
há flores que nascem fora da primavera e amores que não nascem no verão. Como se tudo o que é dito fosse certo, como se terra não rodasse debaixo dos pés, levitasse.
Olhamos para trás.
Não sei porque me escondi dos teus olhos, ou ainda das tuas mãos. Não sei porque fugi pelo tempo, entregue ao inexorável, ao inevitável, a mim.
Houve dias em que choveu lá fora, tanto como dentro do meu quarto, ou como dentro dos meus olhos... mas o meu sorriso foi maior.
Um dia houve primavera, e logo a seguir o verão. No meio dos dedos nasceram-me flores, embriagadas pela luz dos teus olhos, loucas com o teu sorriso, com a tua voz.
E como cúmplices de um mesmo passado, demos as mãos e vimos passar de barco a alegria do indecifrável.

Sabes,
agora olho para as minhas mãos e sinto nelas a falta das tuas.

segunda-feira, setembro 1

Tempo


Eterno


"devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgávamos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim."


Explicação da Eternidade - José Luís Peixoto

domingo, agosto 31

Reflexo


Reflexo


Por onde quer que eu olhe existe sempre uma barreira, um pedaço de vidro que me distorce a visão e me impede de te ver claramente - um vidro marcado pelo tropeçar da memória e manchado pelos meus olhos.

Olha: é o meu reflexo, o meu reflexo no meio das tuas lembranças.

sexta-feira, agosto 29

And now for something completely diferent
(tentem interpretar este meu sonho)


Estava em casa e resolvi ir fazer o jantar. Fui até à arca congeladora, ver se havia carne, e quando a abro deparo-me com N pacotes de Sun (passo a publicidade) para limpeza de máquinas de lavar loiça, espalhados no meio da carne, batatas, e sacos de bacalhau. Alguns estavam abertos, e eu conseguia até ver o detergente azul e amarelo lá dentro. Assustada, fechei de imediato a arca e sentei-me a recuperar. Fechei os olhos e quando os voltei a abrir estava num café (género tele-transporte), e aparece um tipo que me pergunta se quero coca. Eu digo que não e ele, insistente, saca de um saco cheio de pó e põe-se a fazer linhas à minha frente. Estendi o braço entre os sacos de coca espalhados na mesa e alcancei, desesperada, o meu maço de tabaco.

Depois acordei e fui a correr fumar um cigarro.
Depois do teu sorriso

"you give me that look that's like laughing
with liquid in your mouth
like you're choosing between choking
and spitting it all out
like you're trying to fight gravity
on a planet that insists
that love is like falling
and falling is like this

feels like reckless driving when we're talking
it's fun while it lasts, and it's faster than walking
but no one's going to sympathize when we crash
they'll say "you hit what you head for, you get what you ask"
and we'll say we didn't know, we didn't even try
one minute there was road beneath us, the next just sky

i'm sorry i can't help you, i cannot keep you safe
i'm sorry i can't help myself, so don't look at me that way
we can't fight gravity on a planet that insists
that love is like falling
and falling is like this."


Ani Difranco - Falling is like this

quinta-feira, agosto 28

Sem memória

Não abras essa caixa, deixa-a, estão aí todas as penas que já perdi. Há coisas que devem permanecer adormecidas na memória... não podia mais continuar a caminhar em torno delas, cautelosa, sempre de olhos postos no infinito, a imaginar como seriam os meus dias e sonhos se conseguisse trancá-las, de uma vez só, em algum sítio. Deixa-as lá, ainda lhes vou juntar mais algumas. Não importa quando, nem me interessam as que já perdi – eu não vou deixar de voar. Olha - é a chuva na minha janela. Vou abri-la e lançar-me num salto, num voo rasante pelas árvores e gentes. Encho-me de coragem. Olha – já não chove cá dentro, e os raios de sol enchem-me o sorriso.

quarta-feira, agosto 27

segunda-feira, agosto 25

A luz sobre os meus olhos

Olha lá fora. É a lua... não é? Pousa o copo e anda cá ver. Olha como ela se esconde, como ela brilha. Cai uma estrela e o mundo não se desfaz. Ninguém percebe, sequer.
Dá-me a mão.
Não te sentes pequeno..? Acho que é impossível não me sentir assim diante da imensidão.
A vontade que tenho é de largar asas e voar para me perder.
Tocas-me o Stars do George Winston?
Nada. Não há nada, só este céu sobre os meus olhos, só a luz do amanhecer. Às vezes fico com a mente em branco, não fosse o piano e enlouquecia. Não fossem os teus dedos a saltar de nota em nota, o teu sorriso quando me sentes sorrir.
Anda, vem sentar-te comigo e ver o sol a apagar as estrelas.

domingo, agosto 24

Cinza


Cinza


A cinza do cigarro cai-me pelos dedos, desliza-me no braço. Não chega ao cotovelo e, só por teimosia, tomba-me num calcanhar.
A cinza do cigarro corre com o vento e desvanece-se no chão, por entre os meus dedos dos pés.
A cinza do cigarro é a cinza dos meus dias: ainda incandescente, desce-me todo o corpo até ao chão, queimando-me a pele, fugindo por entre o vento - pelo tempo - até que, já extinta, se vem entranhar na planta dos meus pés.
E eu ando assim, por cima da cinza, por cima de mim.

sábado, agosto 23

Woke up this morning and had this feeling


"I know that I've imagined love before
And how it could be with you
Really hurt me baby, really cut me baby
How can you have a day without a night
You're the book that I have opened
And now i've got to know much more

The curiousness of your potential kiss
Has got my mind and body aching
Really hurt me baby, really cut me baby
How can you have a day without a night
You're the book that I have opened
And now I've got to know much more

Like a soul without a mind
In a body without a heart
I'm missing every part"


Massive Attack - Unfinished Sympathy

sexta-feira, agosto 22

Shined on me - Praise Cats


Shined on me

"I’ve got peace deep in my soul, I’ve got love making me roll, since you opened up your heart and shined on me"
Sat on the roof - a minha consciência e tu

Bem, isto não faz sentido nenhum.
Às vezes tenho a sensação que sou mais uma vagante da vida, outras que estou a curtir todos os momentos. Agora é uma despreocupação total. Eu sei que me olhas de lado, que apostas que um dia acordo e dou um tiro nos cornos, mas eu ando pelo mundo e cada vez mais quero chegar onde tu nunca chegaste. Não sabes já como sou? A verdade é que provavelmente não sabes mesmo, de há dois meses para cá que até eu me estranho a mim própria: sei quem sou mas não faço ideia de quem era. É estranho não é? (aposto que estás a abanar a cabeça) Confia em mim, i’m happy this way. Às vezes tenho dúvidas, claro, principalmente quando adormeço com um bloco ao lado e, merda, de manhã acordo e não escrevi nem uma única linha. Mais estranho ainda é que tenho sonhado como nunca, já nem preciso de fechar os olhos. E o mais ridículo é que a maior parte das vezes que falam comigo eu não oiço nem uma palavra. Não penses que é propositado, sou só eu que não consigo mais segurar as asas do pensamento. Não dou conta por onde, nem para onde vou, mas quando volto não me apetece contar a ninguém o que vi. Então guardo as palavras só para mim, certa de que morrerão comigo. Egoísmo? Talvez fosses tu a não compreender o meu voo. Deixa, confia em mim e não perguntes nada. Não há razões. Posso, unicamente, pôr as culpas no destino, pois não imaginava que fosse tão incerto – já não falo para ti, mas para uma partida do destino – e quer isto dizer: olha para ti; estiveste sempre aí; por onde andava eu?
Que horas são?
Gosto de ti.
Estás a ver como não existe sentido?

quinta-feira, agosto 21

Renton's choice - Trainspotting


"Choose life. Choose a career. Choose a family. Choose a fucking big television. Choose washing machines, cars, compact disc players and electric tin openers. Choose good health, low cholesterol and dental insurance. Choose fixed interest mortgage repayments. Choose a starter home. Choose your friends. Choose leisure wear and matching luggage. Choose a three-piece suit and arrange the fucking fabrics. Choose DIY and wonder where the fuck you are on a Sunday morning. Choose sitting on that couch, watching mind-numbing, spirit-crushing game shows, stuffing fucking junk food into your mouth. Choose rotting away at the end of it all, pissing your last in a miserable hole, nothing more than an embarrassment to the selfish, fucked-up brats that you spawned to replace yourselves. Choose your future. Choose life.

But why would I want to do a thing like that? I chose not to choose life. I chose something else. And the reasons? There are no reasons. Who needs reasons when you've got heroin?"


"So why did I do it? I could offer a million answers, all false. The truth is I'm a bad person. But that's going to change. I'm going to change. This is the last of that sort of thing. I'm cleaning up and moving on. Going straight and choosing life. I'm looking forward to it already. I'm going to be just like you. The job. The family. The fucking big television. The washing machine. The car. The compact disc and electric tin opener. Good health. Low cholesterol. Dental insurance. Mortgage. Starter home. Leisure wear. Luggage. Three-piece suite. DIY. Game shows. Junk food. Children. Walks in the park. Nine to Five. Good at golf. Washing the car. Family Christmas. Index pension. Tax exemption. Clearing gutters. Getting by. Looking ahead to the day you die."

segunda-feira, agosto 11

Antes do teu sorriso

Quando tudo era paz, e tu permanecias imóvel nas chamas, as vozes consumiam-se umas às outras reciprocamente. O que eu imaginava da tristeza estava já muito aquém do que sentia. Ser ou não eu já me escapava.
Repara como os dias passam e como nos agarramos a eles com tanta facilidade – como tudo parece fácil e fazer sentido, como tudo parece coincidir com o lento rodar do mundo – e nos tornamos a nós principiantes da fatalidade.
Se agarras a garganta entupida pelos gritos, se jogas a vida ao vento e decides desertar, fugir, não agarrar os outros com as tuas próprias certezas – essas razões estúpidas – beber dos cálices da futilidade arrotando o desespero, se trocares as tuas certezas por ideias, que será de ti?
Quando tudo parece bater certo reparas num espelho e a tua imagem não é mais um reflexo, as roupas rasgam-se no corpo estranho, alucinado, e as tuas mãos tremem parecendo quebrar a rotina do óbvio. Então largas a garganta arranhada, os cálices bebidos por todos, verdes, sujos, e temes o anoitecer.
Depois, o silêncio. Depois, a vontade de deitar tudo por terra, de não dormir mais, apenas de acordar.
Aí os dias correm uns a seguir aos outros, perdes o controlo de tudo o que tinhas por certo, das ideias dos outros impostas em ti, do mundo.
Foges.
Foges e levitas sobre a pequenez humana. Queres crescer mas não tens asas.
Aí o sentido das coisas mostra-te o inferno, e não sabes mais o que é o silêncio.


Ilha de Faro - Julho 2003

domingo, agosto 10

Onde eu estive tudo era paz


Onde eu estive


Um dia destes vou conseguir agradecer ao mundo, a Deus se ele existe, aos meus amigos, a ti.
Um dia destes vai chover, e eu vou fechar os olhos e sorrir com as recordações.
Um dia destes vou-vos abraçar a todos com a mesma ternura de ontem.
Porque ontem o tempo não existia, e tudo era paz. Ontem a televisão estava desligada e não se compravam jornais. Ontem a música estava sempre a tocar lá em casa, desde que eu acordava até à hora em que saíamos. Descíamos as escadas e estendíamo-nos na praia, deixando que o sol e o sal que se agarra à pele tratassem do resto.
Deixávamos o tempo fluir, e nós fluíamos. Não havia tempo. Havia uma casa onde nunca existiu tristeza, o sol, o sal na pele, o mar, as garrafas vazias, as garrafas cheias, os cigarros, a música, os amigos a sorrir - a cantar - espalhados pela casa, tu.
E agora este sorriso estúpido, de orelha a orelha.
Back to reality - happy in here.

quarta-feira, julho 30

O cadáver esquisito


Era uma vez um castelo, onde os meus erros estavam catalogados numa exposição sobre a estupidez humana. Mediam-se os sentimentos, como quem pesa a virtude, palmo a palmo, pegada atrás de pegada, a nudez de um crânio.
Às vezes os quadros caíam e eu, imóvel, assistia à devastação do engano.
Normalmente as noites eram assim: Eu snifava uma linha de coca e perguntava: "És socialista?". Não - sou tudo menos isso, sou a espera enquanto adormeces, sou o devaneio enquanto enlouqueces - respondia eu a mim próprio.
Estou demasiado embriegado para racionalizar sobre para que lado me inclino, o teor alcoólico do absinto não está escrito nas garrafas mas sim no meu sangue, e sinto as palpitações a perderem-se nos veios da carne.
Outra vez tu. Outra vez. Outra vez. Outra vez. Pensei que não íamos dar mais voltas nesta montanha russa.
O meu cérebro dilatava de raiva. Estavas tão entupida de pensamentos fúteis... Porque é que és a embalagem do meu conteúdo? Farto e enojado, caminhava até à praia e banhava-me nas águas geladas. Vem - Deus das tormentas - e leva o que me resta da memória.
Assim calava as exposições, brindava à ignorância que paira nas luzes, à lucidez da merda das almas, e adormecia junto à perdição.


Joana, João, Susana, Tânia

quinta-feira, julho 24

Adeus - que é como quem diz - Até breve!

E finalmente, o merecido descanso. Irei para mais perto do sol e, por isso, nos próximos 17 dias o blog fica em stand by.
Um beijinho a todos aqueles que me visitam...

Até breve!

sábado, julho 19

Jogos de palavras


Ao acaso, várias personagens além de eu própria. Contem-se quatro.

Vibro no silêncio da promiscuidade. Vem o vento que nem um soco e transforma-me em carnaval. - Existe um canto alegre dentro do meu sapato, bebo um copo e rodo o meu pé com destreza para esquecer a minha tristeza. - Na promiscuidade do silêncio ouve-se o soco adúltero do carnaval. - Reparo no reflexo do espelho. O fumo do cigarro contorna as páginas do livro. O telefone toca... és tu?! - Num belo dia de merda tirei esta fotografia, uma saia vermelha num rabo escondido. - A fobia do mundo é um jogo de azar. - Se um sapato tomba na pele do alegre, não é destreza... é o copo que transborda. - Eu sou o silêncio sem promiscuidade. – Espremi um limão e bebi o sumo da saudade. Sorridente, brindei à ilusão do homem. - Bebi um copo e fiquei alegre, mas sem a destreza de tirar o sapato. - Gosto de um jogo sem a fobia do azar. Senão fico mudo.


Se te disser que te conheço, minto. Fazem-me falta os teus olhos.

segunda-feira, julho 14

I know that I've imagined love before


Unfinished


Like a soul without a mind; In a body without a heart; I'm missing every part
( Shara Nelson, Massive Attack - Unfinished Simpathy )

quinta-feira, julho 10

Solfejo


Ensinavas-me a tocar piano. Eu era apressada, como ainda sou hoje, e queria saltar a parte das pautas e dos solfejos, pois não tinha paciência.
Às vezes a confusão dos mundos entedia-me e faz-me desistir do que eu considero um nodo.
Eu estava sentada ao piano, a tentar saltar o dó-ré-mi, e tu insistias em coordenar a minha rebeldia. Tinhas um cheiro característico, tal como todas as memórias da minha infância, e eu já não suportava mais estar ali com os dedos ora esticados, ora dobrados numa caneta sobre uma pauta qualquer. E merda, a minha mãe nunca mais chegava.
Eu queria tocar piano, tocar! Pousar os dedos nas teclas e inventar músicas, melodias, canções. Para mim tudo era simples e mágico, só queria que me explicasses onde estavam as notas, onde havia eu de pôr os dedos para conseguir tocar aquelas merdas com as duas mãos, e se deveria ou não jogar com os pedais como o meu pai fazia quando conduzia. Mas tu não explicavas nada e repetias sempre a mesma história do dó-ré-mi.
A minha mãe ligou a avisar que ia chegar atrasada, e eu fiquei ali a recusar-te sumos e bolos, a novela que estava a dar na televisão, a ouvir o esfregar das tuas calças enquanto caminhavas pela casa, sempre de um lado para o outro, e tudo aquilo era uma agonia. Depois puseste o teu filho a jogar xadrez comigo, e ele coitado – pois se não tinha culpa nenhuma – ficou ali a puxar conversa durante uma hora, uma hora até a minha mãe me ir buscar.
Fomos embora e eu disse à minha mãe que não voltava mais àquelas aulas.

Não percebeste, pois não, mãe? Eu sei que te disse que afinal não gostava, que afinal não tinha piada nenhuma tocar piano, que preferia ficar em casa a brincar com a plasticina. Mas eu gostava, mãe, eu gostava... eu gostava de tudo aquilo, das notas, do dançar dos dedos, da música, principalmente e fundamentalmente da música, o que eu não suportava era o tédio, era estar ali a tentar aprender, estar ali a tentar perceber como pensavam os músicos, e uma gaja qualquer que eu não conhecia de parte nenhuma a dizer-me que não, que não era assim, a pedir-me para conjugar o verbo do dó-ré-mi, e a dizer-me para dar pancadinhas na mesa ao som de não sei quê, que era para eu aprender, dizia ela. E ainda por cima tu atrasaste-te quando já pouco me prendia ali.

Agora fico aqui a olhar para o piano e a sonhar como poderia ser se eu não tivesse esta mania irritante de que tudo pode ser mais simples.

Some day


Scotland

terça-feira, julho 8

Tempo


Às vezes lembro-me dos teus olhos, e o mundo treme. Às vezes lembro-me do teu sorriso, das tuas mãos, e o nexo torna-se desconexo. Às vezes não acredito em nada e sinto raiva de tudo, do mundo, de ti. Estremeço. Sinto uma saudade tão grande do que tinha por ser feliz, dos teus braços, da paz que criei em mim.

Quando o chão treme, lembro-me que pode nada ser eterno e tento o equilíbrio. Esqueço-me do desconexo e não dou importância ao sentido. Esqueço-me do mundo, de ti, de quem nós éramos, rasgo a saudade e solto o desespero. E só depois me recordo que foi assim que eu quis... foi este o caminho que escolhi, mesmo estando eu há tempos no teu lugar, mesmo sabendo que fui feliz nos teus braços. Porque o tempo não volta nem apaga tudo o que já foi dito ou feito.
O tempo não volta.

O tempo não volta e não sei dos meus pés para andar.

segunda-feira, julho 7

I Miss You

i miss you
but i haven't met you yet
so special
but it hasn't happened yet
you are gorgeous
but i haven't met you yet
i remember
but it hasn't happened yet

and if you believe in dreams
or what is more important
that a dream can come true
i will meet you

i was peaking
but it hasn't happened yet
i haven't been given
my best souvenir
i miss you
but i haven't met you yet
i know your habits
but wouldn't recognize you yet

and if you believe in dreams
or what is more important
that a dream can come true
i will meet you

i'm so impatient
i can't stand the wait
when will i get my cuddle?
who are you?

i know by now that you'll arrive
by the time i stop waiting

i miss you




Björk (Telegram)

domingo, julho 6

Immature


Immature

19h42



Torpes de pronúncia, que me desatinam... as máscaras caem! Os rostos, já não há, não há nada. Mas um mundo gigante que ainda gira e no qual, ainda tomamos todos aquele café que sara recordações...
Na chávena redonda esqueço aquilo que há bem pouco tempo ainda... ainda me lembrava..!
Já não há!
Procuro aquele refúgio entediante que ainda nos protege, não nos condena! Mas que incrivelmente e, à sua maneira, acaba por nos purgar a todos...
Já não há! Será que houve?!



Edu



ps. “Nas palavras reside o melhor, mas o melhor, nem sempre elas o revelarão!” Goethe

terça-feira, julho 1

Esta chuva

Silêncio.
De olhos presos no infinito, atravessas a janela sem nada ouvir.
Estou aqui, não ouves?
Eu sei que ontem te magoei. Sei que disse coisas que não deveria. Mas tenho tido sonhos em que me abandonas ou te apaixonas sempre por alguém. Às vezes acordo já na linha que há entre a loucura e a sobriedade.
Não quero que penses que dependo de ti para o que quer que seja. É ridículo este desespero de te perder, e é ridícula também a vontade que tenho de te abandonar.
É preciso – penso eu às vezes.
Eu sei que nunca conseguirei ser quem sou se depender de alguém. O que sinto transforma-me, afecta-me, as minhas acções não se assemelham mais com a imagem que tinha de mim, e levam-me a pôr em dúvida o que afinal sou.
Lembras-te de como eram os meus quadros quando me conheceste? Eram jardins encantados, dizias tu. Cheios de personagens parecidas com as das fábulas que eu lia quando era criança. Fortes como a árvore do meu quintal, e seguros como o baloiço que nela pousava. Recordações e delírios de uma tempestade.
E agora? Olha lá para eles, vá! Diz-me o que vês. Nada, não é? Apenas o vazio. O cinzento. Nada de fábulas, jardins, nem o meu baloiço aparece mais..!
Por favor… não percebes que me consumiste toda? Não percebes que bebeste a minha tranquilidade de uma vez só? Eu não tenho mais por onde sonhar…
Já levo comigo tudo aquilo que queria levar.
Eu sei que me estás a ouvir… Sei que não falas porque não admites que alguém consiga deixar quem ama. Já me acusaste de não te amar, podes acusar outra vez!
Vá! Acusa! Diz-me tudo o que tens entalado na garganta!
Fraco! Sempre foste um fraco! Nem agora que ganhaste a minha força a sabes usar!
… Desculpa… Não te queria magoar… vês como é fácil atacar-te com o mínimo que seja? Mas tu não respondes, tu não dizes nada! Ficas aí, a ohar por essa estúpida janela! Porque é que não dizes alguma coisa?
- Se queres ir embora, vai. Mas deixa-me recordar-te como eras antes.
O mais difícil, o que me custa mais, é perceber que nem tu estás contente comigo. Tu tentaste, eu sei, sobrepor o amor que sentes por mim a todo o resto, mas eu, já vazia, não tenho mais nada de novo para te dar, e assim, para que ames.
E agora pedes-me que te deixe recordar quem eu era.
Também tenho saudades minhas, sabes?






Quando criança, era costume Alice isolar-se no seu quarto. Não que se desse mal com os pais e irmãos… era mesmo ela que apreciava a solidão. O silêncio.
Era capaz de passar horas a baloiçar no quintal, sozinha, perdida na sua imaginação. Podiam chamá-la, falar com ela, nada adiantava. Ela permanecia ali, inabalável, baloiçando para trás e para a frente, em leves movimentos, como quem está à espera do óbvio.
Mas a verdade é que nunca ninguém percebeu o que Alice tanto esperava.
Um dia, tinha ainda 7 anos, Alice observou atentamente o pai a pintar o seu quarto. No fim, comparou as paredes com as folhas do seu caderno, e quando o pai lhe perguntou se as queria pintar, Alice respondeu que não, que algumas coisas, como o silêncio, não deveriam ser ocupadas. E ficou imóvel durante horas a olhar para elas. Depois, e de repente, pegou no seu caderno e desatou a desenhar. Desenhou e pintou folhas e mais folhas, até terminar o caderno. Só por isso parou.
Não podia explicar.
Talvez o silêncio, o inabalável silêncio, aquele que sempre a acompanhara e lhe dara largas à imaginação, fosse o responsável. Ou talvez fosse a impossibilidade voluntária de não pintar as paredes, o proibido, que lhe tivesse enchido a mente de imagens e ilustrações.
Como se tentasse exprimir todas as palavras que tinha caladas.
A partir desse dia, todas as tardes, assim que chegava da escola, Alice corria para o seu quarto e pintava até a hora de jantar. Pouco ligava às correrias e risos que se ouviam do outro lado da janela, ou aos pedidos da mãe para que fosse lanchar.
Só havia uma coisa que a fazia largar os lápis e os pincéis, mesmo que temporariamente: o baloiço.
Aos 12 anos, crentes das suas potencialidades, os pais ofereceram-lhe a maior tela que encrontraram à venda.
Por mais estranho que pareça, Alice não achou muita piada à ideia. Achou que lhe queriam cobrir as paredes - que lhe queriam roubar o silêncio. E não ousou um sequer golpe de pincel em tão imponente tela.
Um ano depois, num domingo à tarde, caiu em tempestade a maior chuva que Alice alguma vez viu.
Curiosa, foi até à janela e ficou a olhar para os relâmpagos que, acompanhados pelo retumbar da trovoada, se faziam abater sobre o quintal. De repente, e sem que nada pudesse ser feito, a árvore que lhe apoiava o baloiço foi apanhada por um raio de luz. Quebrando-se em chamas, tombou para o lado, testemunhando a destruição do ser.
Azar, injustiça, exiguidade.
Aquilo era tudo que existia.
Todas as lágrimas que Alice verteu, dias e dias trancada na escuridão do seu quarto, não fizeram a árvore renascer, ou o baloiço erguer-se no meio do quintal – e não demorou para que Alice o percebesse. Enxugou as lágrimas e começou a pintar a grande tela que outrora tinha recusado e escondido.
Mais tarde, cobrindo a janela do quintal, a grande tela mostrava a segura árvore e o seu baloiço, rodeados de flores e relva verde, num lindo dia ensolarado.
Em frente, Alice admirava a sua obra, cobrindo também o seu coração da memória de uma tempestade.


domingo, junho 29

It’s raining all over again


Again


It’s raining on my heart;
It’s raining down;

It’s raining on my soul;
It’s raining down;



Too late


When you’re looking back it’s too late

when you’re feeling sad it’s too late



(Raining Down - Loopless)

sexta-feira, junho 27

Da solidão

Manhã. As quatro paredes de sempre. Estava deitada na cama a imaginar uma fotografia do amanhecer: a janela fechada, a ventoinha ligada, a vizinha a gritar. Corri a mão pela cabeceira em busca do comando do som: ligo - mão no livro - olhos nas palavras - asfixia. Nesta altura já não sei onde me perdi, quem me levou o ar, ou se terei sido eu ao levar as mãos à cabeça que, em desespero, me terei asfixiado a mim própria.
Eu não dei conta do silêncio e desliguei a música, que me invadiu a privacidade.
Sinto cheios os meus dias: em todos eles penso, em todos eles converso, em todos eles me escondo em imagens. Fecho os olhos e oiço piano ao adormecer, notas musicais perdidas que geram uma melodia na minha mente. E ela existe? Se não, é mais uma vez o contrário de tudo o que faz parte da minha vida.
Eu sei que há quem chore por ser sozinho - eu sei - eu sei que há quem não goste de estar só e se refugie em multidões, ou na praia com o mar, pensando conviver com o vazio. Eu não suportaria viver virada para o mar, olhá-lo todos os dias, tê-lo dentro da minha casa - da minha vida - ou ainda no meio da floresta, numa casa de janelas e vidro, onde só visse as árvores e a madeira dos troncos. Eu não gostaria de ser invadida por imagens que sugerem a solidão, imagens onde nunca existe alguém além de nós próprios, pois não me sinto só se obrigada a recordações.
Eu não tenho medo do escuro ou ainda que me deixem - porque não me deixam - eu sonho com a leveza de ninguém pensar em mim, para assim não pensar em ninguém; eu sonho com a minha mão a atravessar o espelho e a puxar-me para ele; eu sonho com o piano encantado que toca para mim, à noite, quando fecho os olhos; eu sonho com a solidão.
Eu sei que esta vontade só nasce por projectar a minha imagem para a vida, sei que já me julguei só e que agora me conheço o bastante.

Eu sei que somos pequenos no meio de tudo, de nada, mas também sei que podemos ser grandes para nós próprios.

terça-feira, junho 24

Um dia bonito para alguém bonito


Parabéns!


Ana, para ti, porque hoje é o teu aniversário, um grande beijinho dado de coração.



nota: pouco se nota a minha presença, mas estou aqui a brindar a ti, querida!

quinta-feira, junho 19

Sei de ti na memória


Tão profundas são as memórias da noite...
Não te conheço mas sei.
Sei como o teu corpo repousava nos meus braços.
Sei o que pesa e como se move.
Sei da textura dos teus cabelos.
Sei como respiras e sei como dormes.
Não te conheço e escapas...
Não te conheço mas povoas as minhas noites.
Já não durmo, apenas me estendo na cama descompensado.
A noite... A noite... Devolve-me a noite.
O ar falta neste tempo que me foge.
Tenho sede dos teus lábios.


João Ganilho

quarta-feira, junho 18

Estado de espírito


guggenheim


Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.


Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.


De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.


(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)


Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Alexandre O'Neill

domingo, junho 15

Viagem

Lembro-me que me olhavas com a tristeza de quem se acabou de perder de si mesmo. Pousavas-me a mão no ombro e perguntavas, entre soluços, “o que faço? o que faço? diz-me o que faço..?” e eu respondia-te que não sabia, que era injusto julgares-te perdido se nunca tinhas fugido de ti mesmo. Nessa altura já não sabia mais se era a tristeza ou se a incerteza que te tinha assaltado a alma.
Tu sabes que a vida consegue ser injusta e nem sempre temos a sorte de encontrar as pessoas na altura certa. Então ficamos com a sensação que somos obrigados a seguir em frente (porque a vida não pára) por um caminho húmido e escuro, onde não conseguimos sequer ver os próprios pés, e onde somos inevitavelmente forçados a pisar alguém ou a escorregar e a cair no chão. Só que antes disso vem a dor - os teus olhos. Antes disso vem a convicção de que um dia todas as certezas caem por terra, todas excepto a de estarmos perdidos, e só depois entendemos o que é afinal a tristeza.

- Já não me lembrava como era permanecer acordado pela noite fora - dizias-me - adormecer por instantes e acordar com a cara submersa em lágrimas, de angústia, sempre de angústia e desespero, de sobressalto.

Gostava de ter os braços maiores para te poder abraçar todo, te apertar e conseguir salvar do inevitável. Mas tu sabes que terás que caminhar às escuras e pisar muito do que se interpuser entre ti e a tua saída, tu sabes que provavelmente escorregarás e cairás mais do que o suposto, porque eu sei que não suportas o peso que é magoar alguém. Então transportar?s toda a raiva e dor só para ti, e eu só te posso assegurar que vou estar aqui - podes ter a certeza que eu estou sempre aqui - sempre, sempre para te ajudar, mesmo que do outro lado do espelho.

sábado, junho 14

Sinceridade e beleza remetem à inocência


Bilhete


Obrigada, João, pela amizade sincera.

sexta-feira, junho 13

Abandono


Andorra

"A quem senão a ti direi
como estou triste? Mas se a tristeza vem
de tu não estares, como ta direi, como hei-
-de juntar o que me está doendo ao ven-
to que não bate mais à tua porta? Eu sei

que a tristeza é só isto, é só isto,
o descoincidir consigo mesmo, eu sei,
descoincidir com os outros, estava previsto
porque dentro de si o mundo não coincide e
não há senão tristeza. Em cada um está Cristo

sempre abandonado, cada um abandonado
a si mesmo, sem princípio e sem fim,
pois no princípio o amor era dado
promessa de te ter sempre junto a mim
não ausência, nem dor, nem habitado

ser por todo este absurdo. Morrer
um pouco, disse, sem saber o que dizia
pois eram só palavras, como se a prometer
tudo aquilo que havia e não havia.

Não haver palavras és tu a desaparecer."


Bernardo Pinto de Almeida, in hotel spleen

terça-feira, junho 10

Another day


Andorra


"The kettle's on, the sun has gone, another day
She offers me, Tibetan tea, on a flower tray
She's at the door, she's want's to score, she really needs to say:
"I once loved you a long time ago, you know
Where the winds own forget-me-nots blow, you know
But I couldn't let myself go
Not knowing what on earth there was to know
But I wish that I had, 'cause it makes me so sad
that I never had one of your children."
Across the room, inside a tomb, a chance is waxed and waned
The night is young, why are we so hung-up, in each other's chains
I must take her, I must make her, while the dove domains
See the juice run as she flies
Run my wings under her sighs
As the flames of eternity rise
To lick us with the first born lash of dawn
Oh really my dear, I can't see what we fear
With ourselves, sat here between us
And at the door, we can't say more, than just another day
Without a sound, I turn around, and I walk away"


This Mortal Coil

domingo, junho 8

Paisagem


Andorra

"(...) É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta pelo meio o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras um pouco loucas engolfadas, entre as mãos sumptuosas. A doçura mata. A luz salta às golfadas. A terra é alta. Tu és o nó de sangue que me sufoca. Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões da madeira fria. És uma faca cravada na minha vida secreta. E como as estrelas duplas consanguíneas, luzimos um para o outro nas trevas."

Herberto Helder, in (a carta da paixão) de "PHOTOMATON & VOX"

sábado, junho 7

Ainda acerca da Ode de Ricardo Reis
(para ser grande, sê inteiro)

- Ricardo Reis era um pessimista - disse a professora, enquanto nos leccionava uma aula de português – um sofredor.
Eu levantei o braço e pedi licença para falar.
Éramos nove, lembro-me bem, uma turma reduzida devido à experiência das provas globais, e ocupávamos uma sala pequenina, onde existia apenas uma fila de mesas.
A vergonha incomodava-me um pouco, confesso, sempre que me era tecido algum elogio eu baixava a cabeça para que não me vissem corar. Mesmo assim ergui o braço.
- Desculpe, professora, mas não concordo. Ricardo Reis não era só um apaixonado pessimista. Tinha os seus momentos... tinha momentos optimistas. Sabe, existe uma ode, uma ode à Lua...
(a professora parecia desconhecê-la, perguntou-me se a sabia de cor e pediu-me para a declamar)
- Mas em voz alta? Declamar, mesmo? Por favor, deixe-me antes escrevê-la no quadro. Por favor.
Declama, disse ela. E eu declamei. Engoli algumas vezes a seco, respirei fundo, baixei a cabeça e comecei a declamar. As palavras saíram-me todas seguidas, sem qualquer entoação poética, e as últimas tiveram que ser repetidas de cabeça levantada, porque me falhou a voz.
Sim, falhou-me a voz, falhou-me tudo. A voz, as pernas, a contenção nas lágrimas. Não pude evitar. No momento em que comecei a declamar deixei de estar ali. A sensação que tinha, sempre que lia a ode, era a de estar a querer ser toda, ali, naquele momento. Era a de estar a olhar para todos os lagos do mundo à procura da Lua. Era a de a ver brilhar cada vez mais para os meus olhos.
Então baixei a cabeça e respirei fundo (novamente).
Fez-se silêncio.
De repente a sala tornou-se grande, tão grande que parecia que podíamos todos levantarmo-nos e correr que nem loucos por entre o silêncio dos lagos, todos, todos nós em nós próprios.
Depois fui para casa, sentei-me no chão encostada ao guarda-roupa, e comecei a escrever: “Às vezes sinto-te como se estivesses do outro lado da porta (...)”
Hoje não sei mais o que fiz ao que escrevi. Não sei se o guardei em mais uma das minhas gavetas ou se o dei a quem era de direito.
Não sei.
Só sei que a porta do meu quarto nunca mais voltou a estar entreaberta.

Azul Cobalto: obrigada por me fazeres lembrar que as coincidências não são mais que traços do destino que, perdidos, se unem de vez em quando.
Fragmentos


Andorra

São as mais belas cores as que sentimos intensamente - as que se conjugam perfeitamente com certo alguém ou momento, provocando as mais estranhas emoções.

Guggenheim

quarta-feira, junho 4

Cutout seven levels


Cutout

Tanto por cento de cinza, sete níveis de côr; dez por cento de branco em cima deste torpor; uma porta que abre, uma mão escondida, um sorriso secreto antes da despedida; mil e uma palavras, são estranhos os momentos; e a côr, onde fica? num pedaço de escrita; não ter nada para pegar, não ter nada para ler, acordar a meio da noite e não esperar o amanhecer.

Rimar?

Rumar a norte e a sul; sonhar em ser astronauta; andar de bicicleta; atirar os sapatos ao ar; caminhar em cima de um tronco; correr atrás de uma bola; saltar em cima da cama; rebentar duas almofadas; beber um copo de água; sentir cócegas no pé; abraçar com um só braço; saltar para o outro lado; ter a coragem de alucinar; não ter medo da razão.

Amar.