sexta-feira, setembro 12

Traços sonhados

No canto da cama, no resto dos lençóis, prendo à janela uma folha branca e espero pelo sol. Fecho os olhos e traço linhas que se perdem nos rasgos dos teus olhos.
O amanhecer é tardio e a espera consome-me demasiado. Imagino as tuas mãos, alienadas, tentando rasgar a folha do outro lado do vidro, e tudo é excessivo.
Ainda me lembro de quem eras quando me ofereceste de ti, ainda me lembro que os traços que te contornavam não precisavam de ser desenhados. Em cada esquina do teu corpo havia cores diferentes que esperavam por ser esbatidas e eu, inexperiente, não lhes ousava tocar. E lembro-me de como todos os tons se compunham e te compunham numa qualquer obra de Arte.
Agora tu não estás e eu não tenho tintas para te pintar. Agora tu não estás e de nada me servem os pincéis, de nada me serve esta destreza em sonhar-te, pois se não há cores, se só há vida nas minhas mãos e não tenho onde as calar. E a folha, a folha que espera pela luz amarelece, pois as minhas mãos não param cheias de vida, de sonhos, pois ainda te sonho em qualquer tela acabada. Por isso rasgo a folha de um só golpe, rasgo a folha e devolvo-me à almofada, perco-me nos lençóis e espero que o sono me leve até um qualquer museu onde possa encontrar-te.