sexta-feira, outubro 17

Estátua


Quando o tempo reabre feridas perdidas na memória a espera torna-se insuportável, e a esperança tem um travo amargo, como se fosse o único mal que restou na caixa de Pandora.
Às vezes tenho vontade de dobrar os dedos para dentro do peito, de apertar o coração e calcar as feridas da ilusão, de o atar todo em ligaduras de iodo e esperar que o tempo o seque.
Tenho guardados em mim os teus olhos, uns olhos que nunca existiram, uns olhos que turvaram os meus dias e me devolveram a solidão.
Afinal eu não me conhecia, e esta ironia de ser e não ser, a teimosia que temos em nos conhecer, resulta apenas na ingratidão da oferta do pouco que somos ao que julgamos ser tudo.
Neste momento não sei mais como saltar por cima do tempo, da carne. Não sei mais como sair do sono profundo da anestesia.
“Quero que te olhes ao espelho e te encontres no teu reflexo” – mas isto são tudo palavras (e eu sei que sentidas) vindas de um amor profundo que sempre foi a amizade. Sossega. Agora quando me olho ao espelho não vejo mais veias saltarem-me da pele, nem corro mais as mãos para acalmar os soluços dos olhos. Agora vejo-me só a mim, sem qualquer significado, estátua colorida pelos dias. De onde em onde, noto vazios, pedaços que caíram com o tempo. E não voltam, e não voltam. Conseguem somente ver as suas arestas afagadas pela força que vive nos contornos que ficaram.
E o que me custa mais é pesar quem me ama com os meus delírios, arrancando-lhes também, involuntariamente, pedaços coloridos.

Se eu pudesse, desaparecia.