domingo, abril 20


Os degraus da minha Páscoa


A semana passada conheci um rapaz que, a propósito não sei bem do quê, me contou que para a família dele a Páscoa chega a ser mais importante que o Natal. Contou-me que toda a família se junta para comemorar, e que é imperdoável alguém faltar.

Cá em casa a Páscoa nunca foi assim. Na sexta-feira-santa comíamos carne, ao domingo o meu pai comprava um folar, e enquanto a minha mãe preparava o cabrito a minha avó entretia-se a semear amêndoas e ovos de chocolate pelo quintal, sementes essas que o meu irmão e eu nos encarregávamos de procurar esquematicamente, como se de um enigma do Poirrot se tratasse. Às vezes encontrávamo-las fácilmente, outras eramos socorridos pela ajuda dos 50-50 (está frio – está quente).
Depois, sentávamo-nos nos degraus das escadas e festejávamos a vitória.

Agora os tempos são outros e recordar-me de todas estas datas traz-me uma certa melancolia. É certo que para mim a Páscoa nunca foi como o Natal, mas acontece que nem uma nem outro são mais o que já foram – nada é hoje o que era ontem – nem eu própria sou a mesma.

Este fim-de-semana, por ser maior, vim passá-lo com os meus pais ao campo. Ajudei o meu pai a sulfatar as árvores e a minha mãe a cortar os arbustos, admirei os coelhinhos com 5 semanas, e questionei-me senão estaria já na altura de, uma vez que já lá vão 7 semanas de choco, os patinhos também nascerem.
No meio desta lufada de ar fresco, houve uma altura em que vim até casa, me sentei no sofá, e ao olhar para o jardim me apercebi do sol que, atravessando as nuvens, batia na minha janela. Pensei “mas o que estou eu a fazer aqui fechada?” e corri para a rua a apanhar ar, como se ele me tivessem faltado. Depois, lembrei-me de há alguns anos atrás não achar a mínima piada a apanhar laranjas ou a cortar arbustos, de correr para dentro de casa e me fechar nas minhas palavras, sempre nas palavras, pouco me importando se fazia chuva ou sol. E é então que me lembro também das palavras do rapaz da semana passada, e tenho pena de muitas vezes não ter dado às coisas o valor que elas mereciam, porque o tempo passa, o tempo leva-nos com ele e transforma-nos em coisas, assim como transformará o hoje em ontem.
Depois vem aquela sensação de vazio, de que não fomos justos com as coisas, de que não fomos justos para nós próprios. E estranho é que não adiantaria em nada deixarem-me voltar atrás, permitirem-me recuar no tempo e fazer as coisas de outro modo, porque sabe-se lá porquê eu não as faria.
Quem sabe se tudo não é realmente como deveria ser, como insiste o destino? – eu não sei – Só sei que entre a lareira que oiço a consumir a lenha na sala, e a possibilidade de alterar o passado, eu correrei para a lareira, pronta para me aquecer e fazer uma torrada. Porque amanhã é domingo, regresso a Lisboa, e mesmo sem amêndoas no quintal à minha espera, vou-me sentar nos degraus das escadas e festejar a vitória.